Babel

BABEL

Moramos no mesmo planeta, somos da mesma espécie, falamos a mesma língua, estamos submetidos às mesmas regras, certas vezes nos conhecemos, convivemos e, mesmo assim, no entanto, a gente não consegue se entender.

Os sentimentos e sensações aos quais estamos expostos são os mesmos: medo, amor, raiva, ódio, paixão, pena, compaixão. Melancolia, nostalgia, saudade, alegria, euforia, angústia, ansiedade e… não nos entendemos.

Seguimos as leis: alguns, a de Deus, outros, a dos homens. Procuramos não matar, não roubar, mesmo que pequemos contra a castidade. Tentamos não jogar lixo nas ruas, colaborar com a reciclagem dos resíduos, não atravessar o sinal vermelho, mesmo que falemos constantemente ao celular enquanto estamos dirigindo e mesmo que a gente beba e dirija de vez em quando e… mesmo assim… não nos entendemos.

Gostamos de praia e de samba, ainda que, por vezes, um ou outro goste de sertanejo e forró. Adoramos cerveja gelada e vinho – cada um na sua hora –, gostamos de festa e de sossego, queremos todos um chamego, um dengo. Uma viagem, várias viagens, gostamos de voltar pra casa, de sofá e novela (no caso, só eu que gosto) e… entretanto, mesmo assim, não nos entendemos.

Obras de arte, João Gilberto e Dorival Caymmi, um bom livro, uma paisagem que contemple um pôr do sol, um mar, uma serra com montanhas a perder de vista e, mesmo assim, não nos entendemos.

Gostamos de futebol, torcemos pela seleção brasileira – na alegria ou na tristeza –, ainda que um seja Fla e o outro Flu, Bahia ou Vitória, Ceará ou Fortaleza, Palmeiras ou Corinthians… tudo bem, muda o uniforme, mas não há motivos, mesmo assim, para não nos entendermos.  

Aí eu te pergunto, aí eu me pergunto, aí eu grito de dúvida: Por quê?

Por que eu falo e você não lê? Por que eu canto e você não decifra? Por que eu respiro e você não sente? Por que eu choro e você não vê?

Por que eu rosno e você tropeça? Por que você corre e eu desvio? Por que você sussurra e eu aumento o volume? Por que eu engulo e você rumina?

Por que eu calo e você some? Por que eu gosto e você bate? Por que me expresso e você agride? Por que eu caio e você chuta?

Por que eu assopro e você incendeia? Por que eu peço e você tropeça? Por que eu leio e você devora? Por que eu grito e você dorme?

A fala não devia acontecer pela língua, mas pela linguagem. Afeto, compreensão e empatia seriam os gênero, número e grau. Respeito, confiança e integridade seriam as concordâncias verbal e nominal. A sintaxe seria balizada pelo bom senso, que deveria vir primeiro. E o limite de um terminado onde começa o direito do outro deveria ser a metáfora de uma vida inteira. Aprender a ouvir até os vinte anos para, só depois, aprender a falar. Estou falando da linguagem – e não da língua – antes de aprender a falar  

 Vivemos em uma Babel onde ninguém se entende, onde as pessoas não estão mesmo preocupadas em entender. Vale a ânsia da agressividade. Vale julgar, vale acusar, vale apontar, quando, na verdade, deveria valer o escutar, o tentar entender, ou mesmo, tentar se ouvir antes de dizer, já que, quando falamos de alguém, estamos falando muito mais de nós mesmos.

Sei que meu desejo é utópico, mas é de utopias que se fazem microrrealidades possíveis.

Torço para que essa dê certo.

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