Perplexidades positivas

PERPLEXIDADE POSITIVA

Ontem, na rua, em plena Zona Sul do Rio de Janeiro, um segurança do restaurante espancava um rapaz negro. Murros, chutes, muitos socos, até que alguém chegou para apartar. O motivo? Não faço ideia, nem posso supor nada, pois realmente, não sei o que houve. Só sei que a ação foi muito violenta, estarrecendo todos em volta.

Gritei desesperadamente “PARA!, PARA!, PARA!”, outros fizeram o mesmo, muitos olhavam perplexos. Em terra onde muitos pensam que “bandido bom é bandido morto”, o que vi nos rostos em minha volta nos denunciava uma gente um pouco melhor. Ninguém aplaudiu, ninguém foi a favor. Ainda bem!

Ando bem atormentada com o excesso de más notícias. Chego a sonhar que o mar está invadindo minha casa, ou seja, sinal claro de alguém assustado. Todo santo dia eu acordo e penso: calma lu, as coisas vão ficar sob controle, mas, no entanto, sou tomada por notícias, mensagens, seja no meu micromundo, ou no macromundo que me provam o contrário: sim, Luciana, as coisas não estão boas e ainda podem piorar.

Nem olhar pro céu, atualmente, anda sendo um átimo de fuga. O céu está cinza! No Rio, com sol, o céu azul de primavera não veio. Meio cinza, nebuloso, como se nos encurralasse entre ele e a Terra que anda fervendo, seja por queimadas, seja por pauladas, seja por cadeiradas. Não está fácil.

O espancamento me volta à mente e me lembro que, depois do que vi, depois do que vimos, cada um foi pro seu lado. Eu? Comprei um brownie e entrei numa livraria… A banalidade do mal, como bem nos alerta Hanna Arendt, esta banalidade que bestifica a barbárie, que transforma tudo numa nuvem de fumaça e a gente tenta, em vão, olhar pra cima e pensar que não temos nada a ver com isso. Mas o céu cai, como também nos alerta Davi Copenawa e, se não cuidarmos, carbonizaremos todos, literalmente e metaforicamente.

Pego o voo, volto pra minha terra e meu irmão me chama para brincar com meu sobrinho. Desenhamos dinossauros, trocamos ideias sobre sushi, futebol e final de semana… Só penso em protegê-lo, mas penso que é ele quem me protege de perder a esperança no futuro e o foco no presente. Obrigada, Nelsinho. Já com oito anos, 32 quilos, pego-o no colo e é como se todos os problemas do mundo se dissipassem naquele trajeto leve. O que são 32 quilos diante do que a gente vem carregando, né? São os quilos de esperança que me valem para a semana.

Em meio a desentendimentos, a receitas de amores duradouros, a “Deus me livre de mulher CEO”, a guerras e gente ruim, a vida ainda tem sobrinhos, pai, mãe, primas, amigas… nossos refúgios, nossos portos, nossas cabeças fora d´água para quando faltar ar, ou para quando o mar invadir nossa casa.

Ailton Krenak nos dá a chave, mas não acredito que encontraremos a saída. Se ter poder é ter dinheiro para comprar coisas e comprar coisas, cada vez mais coisas, polui o planeta, desmata a Terra e desmatar a Terra causa erosão, muda o clima, causa enchente e mata a gente… Ou seja, o poder nos mata. E tem gente que se mata por poder.

Então, qual a saída? Krenak nos dá a solução dos indígenas, mas não imagino que estejamos dispostos lutar por ela. Não saberemos reinventar uma roda que não considere o ouro, por exemplo, uma riqueza sem a qual não possamos viver, e, portanto, devemos poluir rios e acabar com toda a vida em torno dele para catar míseros grãos amarelos que alguém disse, certa vez, que era incrível e valioso e a gente acreditou que isso valeria mais do que o Rio Doce e toda a fauna e toda a flora que habitam o rio e seu entorno.

Não te parece uma imbecilidade? A mim sim. Digo isso com o um cordão de ouro em volta do pescoço e um pingente com a letra do meu nome: L.  Para que raios eu preciso me identificar assim? Não sei, não sabemos e fatalmente morreremos sem saber, ou ainda, morreremos por não saber.

Mas hoje é segunda-feira, dia de se animar pra tocar a semana, para produzir bem muito – tenta não destruir tanto, por favor – e para dissipar um pouco a tormenta, eu ficarei com o sorriso dos meus sobrinhos – sim, ontem Celina, uma coisa linda de oito meses, estava lá em casa quando eu cheguei exausta. Revigorei com tanta fofura. Pois fico com o sorriso de Nelsinhos, de Celinas e com as caras perplexas que olhavam a violência sinalizando que toda a luta, por mais penosa que seja, por mais lento que sejam os resultados, tem surtido efeito. Ninguém gritou “Bem feito!” E isso já é muito.

Boa semana!

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