Sou ateia, Deus para mim é algo que me faz uma falta danada num momento de desespero, naqueles dias em que tudo o que você quer é uma mão sobrenatural porque as mãos da Terra não dão conta. Mas não consigo e nem vou me estender aqui nos motivos. É de cada um.
Certa vez perguntei para um tio se ele acreditava em Deus, no que ele prontamente respondeu: “Não. Até porque, se ele existe, eu não concordo”. Realmente fica difícil pensar num Deus que se esqueceu da África, dos Palestinos, dos Ucranianos, dos Judeus por tantos anos e até hoje… Enfim, são muitos os motivos que me fazem crer que não.
Masssss… Há cada mistério que se dá aqui, acolá que venho tentando deixar de lado o meu sectarismo religioso e apenas escuto e, quando alguém me diz “Vai com Deus” ou ainda “Deus te abençoe” ou melhor ainda “Eu vou rezar por você”, eu acolho o gesto como quem crê, porque, se tem uma coisa na qual eu creio é no bem querer das pessoas. E rezar por alguém é querer bem e isso, sem dúvida, afeta, atinge, alcança. Eu acredito na energia positiva e no poder do pensamento. Será que isso é crer em Deus? Não creio, mas vai que…
Sei que hoje é, ou deveria ser, o aniversário de uma tia muito querida, que morreu no ano passado sem que eu nem pudesse estar perto. Ela morava longe, veio nos ver antes da pandemia e depois não mais… Uma coisa meio rápida, mas sofrida, enfim, ela se foi. E hoje é o aniversário dela e comentei com uma prima sobre a data. Disse que hoje era dia de festa no céu, onde quer que fosse esse céu, ainda que dentro da gente.
Carregamos um cemitério em nossos corações. Nossos mortos, nossas saudades, nossas pessoas que, se pudéssemos pedir um milagre, as traríamos de volta para pertinho da gente. Deus bem que podia permitir, não era? Um chá da tarde, uma vez por ano, com as pessoas que a gente amava, ainda ama… enfim, essas que se foram, mas que ficaram.
Ficaram porque a gente se lembra e lembrar-se deve ser uma forma de existir. Uma forma dolorida, mas uma forma também gostosa. A gente ri quando se lembra de uma história de antes, a gente é grata por ter tido aquela pessoa por anos na nossa vida, pessoas que deixaram rastro, que ajudaram a nos formar, ainda que com um gesto, um jeito… Essa tia que faz aniversário hoje era tão elegante… Quando crescer, quer ser como ela, elegante. A gente se emociona, enche os olhos de lágrimas muitas vezes, chora em outras de saudade.
Seguir em frente é o que se tem a fazer, mas sem perder as memórias, sem perder a ternura, sem perder o que tivemos e o tanto que colhemos e trocamos nesse tempo de convivência. Gente que não cultiva seus mortos é gente que não se apegou a nada e eu nem sei se existe gente assim.
Pois hoje, ao falar com minha prima sobre essa tia, inaugurei um céu dento de mim. É onde eu a guardo, é onde eu tenho certeza de que ela está, com aquele sorriso largo, um corte de cabelo sempre impecável e uma roupa que a valorizava demais, sempre elegante.
Nesse meu céu interior, que, imagino, é azul e tem nuvens, a saudade é a toada, mas a felicidade por ter tido tempo para criar memórias é o cenário, que é azul e cheio de nuvens…