a criança e o passarinho

A criança e o passarinho

Lá fora é sol quente e ouço a risada inconsequente de uma criança. Ri sem a preocupação com o passar das horas, do tempo, sem contar calorias e fofocas. Ocupa-se do distrair-se e de descobrir o mundo.

Peço a ela para que diga aos passarinhos do jardim – lá debaixo dessa verticalidade em que moramos, suspensos do que é visceral, em busca de sermos reais em meio à (não) realidades virtuais em telas planas – peço pra que diga aos passarinhos que podem vir cantar de manhã na minha janela, que eu gosto. Ele promete dar o recado.

Trancada em meu quadrado de privilégios, divago sobre o tal sentido da vida. Escrever este texto, despachar mil e-mails, planejar, planejar, planeja… A frase de auto-ajuda diz que a vida acontece enquanto você está planejando-a. Você já leu? Faz sentido, hoje faz.

Não sei do que brincam. Ela, a criança, e a avó que, de lá da sua experiência, já não deve mais se preocupar tanto com o tempo e nem com as calorias. A vida em cronômetro é pra quem ainda quase nada aprendeu, é pra essa fase acéfala que vai dos 25 aos 60 e poucos, acho. É pra quem perde mais tempo do que ganha. Uma conta estranha que só as crianças e o velhos sabem gabaritar.

Leio em um artigo do facebook que vivemos a síndrome da positividade, isso de achar que tudo vai dar certo e que a gente precisa batalhar da hora que acorda à hora que vai dormir, que só sabemos nos reconhecer como gente pelo trabalho e que, sim, a gente precisa dar certo e que, sim, dar certo é ganhar dinheiro e/ou ter, pelo menos “50K” seguidores no Instagram. Leio enquanto fuço a vida de sucesso alheia e me culpo por não estar lendo uma das 600 páginas as quais eu realmente deveria ler. Preencho um formulário que não reconhece um nome com acento, tipo Túlio. A pessoa não se chama como ela se chama, ela é ela sem acento, é ela sem nada que a diferencie das demais. Ela só é enquanto grupo, enquanto número, enquanto mais um.

Enquanto escrevo aqui trancada, minha vontade tá ali fora andando de bicicleta e buscando o cantar dos passarinhos. Será que ela deu o recado à Cotia que eu pedi? Espero que amanhã ela, a Cotia, me acorde, cedo, pois tenho muito o que fazer.

Não ouço mais a voz da criança. Já foi embora? Volta mais tarde, ou cresceu e não vem almoçar em casa, comigo, pra me contar da faculdade e dos amores que insistem em machucar, mas que são deliciosos? A bicicleta já está sem rodinhas? Vai me dar a mão pra atravessar a rua, ou encheu àquela mochila enorme e se mandou para aqueles quatro meses na Ásia, de onde ele me disse que não poderia mandar notícias?

Será que ainda cabe no meu colo?

Lá fora, é tudo incerto. O desmonte, o desmatamento, uma justiça condenável e um terreno infértil pra florir.

Penso na criança. Nela que não se preocupa com o tempo, para quem hoje e amanhã são instantes divididos apenas entre dormir, comer e escovar os dentes. Às vezes a fase adulta chega antes pra atrapalhar a brincadeira e lá vem o remedinho, o tampão, o doutor… Mas passa, no instante seguinte ela gargalha, inventa que estamos em um castelo no qual eu sou soldado e ela mestre. Às vezes sou princesa, mamãe, filhinha, dona de cachorro, pilota de moto… Sim, tem-se muito o que fazer nesta vida.

Entre essas multitarefas eu encaixo um texto.

A criança voltou, lá fora ouço uma voz que é sol e uma risada elixir. Tudo é vida ali.

Pera, já sinto meus braços se transformarem em asas, aqui em volta ouço os sinos, minha carruagem está chegando e meu vestido brilha inteiro. A Cotia veio me dizer que está na hora, que não posso mais perder tempo. Preciso ir, o Reino das Águas Claras me chama, temos muitas reinações a fazer.

Quarta que vem eu volto. Ah! me segue nas redes sociais (@parissodeida), quem sabe a gente não sonha juntxs.

A foto acima é de um curta lindinho que achei pesquisando uma imagem pra essa crônica. Deixo ele aqui.

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