Às vezes penso que nosso rio é o rio de Graciliano Ramos, um rio de três margens, um rio que nos leva para algum lugar que é lugar algum, lugar inventado pra tudo o que não pode acontecer, todos os encantos, os vinhos mais saborosos, os queijos mais frescos, a trilha sonora mais bonita e as poesias que entram fundo, num lugar onde as palavras não alcançam… A gente só sente e sorri, ou chora. Não fala porque a palavra, é engraçado, né?, as palavras, por vezes, esvaziam os sentimentos. Melhor calar. Engolir seco. Ou melhor, engolir com uma taça, uma garrafa, de vinho.

Penso que nosso encontro se dá perdido entre páginas de livros, livros que são deixados na porta trazendo amor. Perdido em sonetos compostos pra gente, pela gente, ou por alguém que sentiu o que a gente sente.

Nosso lugar é qualquer lugar onde possamos desrespeitar a distância de um metro e meio. É uma mesa com uma cerveja gelada e uma empada, é a beira de uma praia, é um mar. É Jeri, é Paris, é o Rio. É uma livraria, é numa cafeteria “fakefranceseana”, um chão sujo, ou um bar com o pé mais sujo ainda. Nosso lugar é numa sala virtual, é numa esquina, no meio de uma manhã de um ano que não prometia nada e nos trouxe. É aí que o nosso lugar.

O nosso tempo é sempre e é quando. É por enquanto e pode ser uma eternidade. É um instante, é o tempo que der pra gente se olhar nos olhos e sabermos que estamos por perto, juntos, mesmo quando nos perdemos de vista. O nosso tempo é o resto da vida, mesmo que não tenhamos mais tempo.

O nosso amor é sem nome, é intransitivo, é imperativo e é bem mais forte do que a gente. Ele que manda, ele que denuncia, ele que determina se e quando. Ele quem dá as cartas, dita as regras, é ele que negocia com a gente, como quem tem advogados e não se fala. Nosso amor é o nosso advogado do diabo, sendo que a gente sempre esteve do lado não ortodoxo da força. Acho que, na Idade Média, iríamos ficar do lado das bruxas (essa ideia é de Clarice Lispector, li aqui e adorei).

Nossas palavras, que mais calam do que nos orientam, são “outras palavras” de Caetano, nossas palavras são de um “indicionário” que lê de trás pra frente. De Z a A. Toda ordem é às avessas, elas desdizem o que dizemos com um silêncio ensurdecedor, como criança que grita alto pra não ouvir o que o mundo quer lhe dizer, pra não escutar as regras que pretendem enquadrá-la. Como em um LP ao contrário, compomos a nossa própria melodia, sem letra porque a gente já entendeu que as palavras não dão conta.

A gente é um “quem sabe?”, a gente é um acaso, a gente é um lapso, somos um imprevisto, um descuido, um tropeço e uma queda. Somos à revelia, somos em outra dimensão, somos deserto, saudade, imensidão, vontade.

A você que me aparece em livros, nessa história, nem ao certo sei onde me acho, e enquanto me desfaço, não faço a menor ideia de onde você está. Mas eu sigo te buscando, um dia a gente se encontra. Tomara que a gente se reconheça.

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