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De mãos dadas

Eles iam de mãos dadas. Ele, uns 75. Ela, mais nova, na casa dos dez anos a menos. Naquela travessa que deveria ser de ir e vir, só eles iam, não tinha espaço pra mais ninguém. Mãos dadas que balançavam no ar enquanto conversavam algo que eu não ouvia, mas nada de tão sério, porque se não as mãos não balançariam leves daquele jeito.

Ele, com vestes jovem, camisa listrada e bermuda cargo, acho que numa tentativa de mostrar pra ela e pra si uma virilidade capaz de acolhe-la pelo tempo que ela quisesse.

Ela, florida e com cabelos pintados. Nenhum fio branco pra denunciar a idade. O amor não tem essa coisa chata de contagem regressiva do tempo.

Pra eles, só o presente pronto.

Não sei se estão juntos há uma vida, se sim, não parecia. As mãos balançando é coisa de quem tem paixão e quem tem paixão geralmente não está junto há cinquenta anos. Mas pode ser que sim também, a paixão tem dessas manias de ser surpreendente e não acabar nunca. Fica ali, feito vela que quando recebe um soprinho se oxigena e se ergue fogo de novo.

Paixão é fogo.

Só que depois a paixão abranda, o caminhar é mais lento e eles não tinham pressa. Nenhuma. Pressa é coisa de quem vive perdendo tempo.

Eles iam em V com as mãos entrelaçadas e eu vinha atrás, calada, lenta, no compasso de quem um dia amou grande e andou lento também. O amor se compreende e se compadece.

Meus pensamentos iam longe quando diminuí o passo diante desta “barreira” que, para alguns, poderia até atrapalhar o trânsito na travessa. Algumas pessoas não costumam se deter a sutilezas, vivem correndo, apressadas para chegar antes em um lugar algum. Só o amor marca o tempo em outro compasso, só que ama ouve as estrelas, já dizia Bilac.

Dia de sol, dia de germinar amor. O amor precisa de fotossíntese.

Ela me viu.

Soltou a mão dele e se colocou à frente.

Passei por eles e comentei que não queria ter estragado a cena tão linda.

Eles coraram e sorriram cúmplices.

Cheguei 40 segundos antes ao mesmo supermercado.

A pressa é vã.

O amor é lento.

Amar é lindo.

 

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Se você perdeu a crônica da semana passada, ela tá aqui.

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