É no silêncio que eu mais te escuto
Dia desses, ouvi – ou eu mesma concluí, sei lá – que o problema das conversas pelo whats app é porque ali você não tem os silêncios.
Sim, por lá você não tem a entonação, o tom de voz, os olhares e, principalmente, o silêncio. Àquela pausa que revela uma dor, uma angústia, um cuidado em te dizer o que ficou entalado há tempos… Não tem o silêncio de um meio sorriso, uma pele corada depois de ter sido surpreendida, não tem o infinito que dura um olho no olho.
Não tem.
Pelo whats app quase tudo é grito, é frio e é incompreensão. São flechadas de lá pra cá e vice-versa.
O que foi dito não foi exatamente o que queria se dizer, ou pelo menos não daquele jeito. A resposta vem cheia de mágoas e agressões levando pra longe qualquer fio da meada que pudesse levar a conversa para um denominador comum.
Pra piorar e complicar ainda mais a compreensão desta nova linguagem que nos atravessou e parece que vai ficar, o contrário também acontece. Em vez flechadas, a falta de intensidade, o que pode parecer desinteresse.
Tenho um amigo que a expressão máxima de amor que ele consegue via whats app é dizer “Beijos grandes”. Ora, você dizer “Beijos grandes”, ou “Beijos bem grandes” (sim, ele consegue ir além) para uma virginiana com lua em Touro e ascendente em Leão que disse estar morrendo de saudade é feito balde de gelo, né não?
P.s.: Entrei na onda de me explicar por signos, mesmo não acreditando muito nessas coisas. É igual a emoji, você não sabe bem como se definir e taca uma carinha, entenda quem quiser e puder. Os signos, minha gente, inclusive nos livram de julgamentos e justificam nossas manias e comportamentos. Se você é metódica e crítica, é culpa de nascer em Virgem, se você é indecisa e dramática, culpa de nascer em… Sei lá, certeza a culpa é do seu signo, mas eu só decorei os meus. Brincadeiras à parte de uma “cética sincrética”, porque sem humor nada se salva, tem uma gente bem séria trabalhando com astrologia, essa sabedoria milenar que fora rechaçada com o advento da igreja e do patriarcado. Mas isso é conversar para outra hora.
Desconfio que o mal do século seja o whats app e mais, os grupos dele. Os grupos de whats app revelam o pior de nós, nossa versão que pudemos esconder por tantos anos, mas que, agora, feito vício, um descontrole, um impulso, a gente se acha no direito de sair metralhando palavras e opiniões e, pior ainda, sem querer “ouvir” nada em troca.
Veja no caso de posicionamento político, por exemplo. Sou minoria em meus grupos, minha opção presidencial não era Jair. Todo santo dia recebo mensagens de apoio ao senhor presidente, aos seu filhos, à nomeação de seu filho ao cargo de embaixador dos EUA – merecido, diga-se, depois de fritar uns hamburguers na terra do tio Sam. Apoio ao Moro, mesmo ele tendo agido absolutamente fora da ética quando o que se pregara antes era justamente o combate à corrupção… Enfim, vejo tudo isso no grupo de whats app. Penso em tentar dialogar, em querer entender, mas, já macaca velha nessa nova linguagem, me calo, lamento, pois sei que não serei compreendida. Quem sabe, um dia, numa roda com João Gilberto ao fundo, uma cervejinha gelada, a gente possa conversar e discordar até, mas sem brigas, porque, de novo, os silêncios hão de nos unir.
É que o silêncio diz muito mais da nossa fala do que as palavras que jorramos. Quando alguém recua pra não te ofender, quando alguém pede licença antes de “mandar a real”, quando alguém prefere nem dizer nada pra não te machucar ainda mais. Quando alguém perde a palavra diante do que ela – a palavra – jamais daria conta. Àquela saudade que não se explica, àquela vontade de ficar proibida, que sai se olhando com olhar de dor e, nesse silêncio, tem um grito inteiro. Àquele eu te amo que não ecoa, não tem um “eu também te amo” e se percebe que estava amando sozinha. Àquele barulho ensurdecedor que só o silêncio é capaz de gerar.
Por isso o problema dessa nova linguagem cifrada e criptografada (problemão que encalacrou até o Moro e a turma numa plataforma afim (desculpa, não podia deixar passar essa. rsrsrs). Daí a falta que faz a ligação, ouvir a voz, a respiração – quem nunca ficou calado ao telefone ouvindo o nada e entendendo quase tudo? Daí a saudade que eu sinto do telefone quando se usava pra fazer ligações.
Sou movida à palavras, ao diálogo e ao silêncio.
Atende que eu tô te ligando pra me calar e você perceber o quanto de ti ainda há em mim.