Em todo asfalto, do mais quente, ao mais esburacado, do mais deserto, ao mais gelado, daquele destruído por enxurradas, pelo tempo… Em algum momento, de todo asfalto há de brotar uma flor.

Publico neste blog desde 2013 e a vida do cronista é muito solitária. Isso de você observar os afetos, de você se demorar sobre o que um gesto, uma fala, um grito, uma cena qualquer reverbera dentro de si, isso é uma missão muito solitária, dolorida, difícil.

Se deixar ser tomada por sensações que muitas pessoas passam por cima, se permitir debruçar-se sobre uma dor que muita gente trata com álcool e relações vazias, aguentar o tranco de uma agressão, a dor da imagem de uma mãe que te acena da calçada, você dentro do carro, sabendo que ela vai dormir ali com os três filhos pequenos – um deles, quase com a idade do meu sobrinho -, voltar pra casa e não fingir que isso não tem nada a ver com você, isso é um tarefa muito solitária.

Pegar essas bofetadas que nos acometem diuturnamente, seja via redes, seja ali, na cara dura mesmo, goela abaixo e, de alguma forma, conseguir processar e transformar esse engodo em crônica, em poesia, em conto, em romance, enfim, em literatura, isso é de uma solidão que você não tem ideia – a não ser que sofra do mesmo mal.

Isso não me faz melhor do que ninguém, nem mais sensível do que ninguém, nem mais amável do que ninguém. Isso é só uma forma difícil de levar a vida, mas que é a única forma que eu sei levar. É bem verdade também que transitar pelo mundo com olhar sensível pode nos fazer não perder cada cena linda que é de encher tudo de esperança de novo. Sigo.

Hoje eu recebei um comentário no meu perfil de alguém que adorou meu texto (este aqui), mas me alertava para que, em tudo, eu colocava um discurso político, uma resistência e que ela, esta pessoa, preferia olhar pra arte com um coração mais em paz, mais resiliente, isso a deixava mais feliz.

Ela, a pessoa, foi doce do início ao fim. E me desejou muita luz, coisa que eu tô precisadíssima. Olhei pros céus e pedi para que atendessem ao pedido de minha leitora em minha intenção. Oxalá assim seja.

Acontece que não tá fácil, falei pra ela. O momento político e o meu momento particular não estão me ajudando em quase nada. Eu disse também que eu já fui assim, feito ela, de conseguir olhar pro mundo não com um olhar ingênuo, mas um que optasse por macular o que não é agradável aos olhos, escolhendo o que tem mais cor e, nem sei, mas acho que eu era mais leve. Senti uma saudade imensa de mim aos 25 anos de idade (principalmente do colágeno, rsrs).

A pessoa sugeriu que eu continuasse, então, botando tudo pra fora e que ela torcia para eu fosse me “esvaziando” e, logo, eu voltasse a ver com os olhos dos meus 25. Preconiza!

Os comentários dela me comoveram. Uma crítica cheia de compreensão e de afeto é feito flor no asfalto. Alguém disposta a falar e ouvir, neste contemporâneo, é raridade. Olha a minha sorte, eu tenho essa pessoa como leitora. Ela é flor no meu asfalto.

Como consolo, veio esta reflexão que divido aqui com você. Quase sempre haverá de brotar flor daquilo que parece infértil. Como se a vida sempre te assoprasse depois de algumas boas pancadas. Como se, de leve e de mansinho, ela quisesse te fazer aprender, mas, como pra não fazer a gente esmorecer, ela faz nascer flor. Às vezes a safra tá ótima, por vezes a gente tem de fazer àquele esforço de aragem, mas, remexendo bem, adubando bem, aguando bem, há de surgir a tal flor. Ô se há.

Jeri é flor em meio ao asfalto, meus pais com saúde são flores em meio ao asfalto, a praia de ontem com meus primos e sobrinho são flores em meio à ao concreto, o samba no Serpentina e a conversa com elas duas foi flor em meio ao asfalto. Abraço demorado é flor, o sorriso dele que ri com os olhos, é flor em meio a tudo de ruim. A gratidão também é, o amor é quase uma plantação inteira de girassóis em meio ao asfalto. Você que me lê, pra mim, você é uma flor linda no meu jardim.

Obrigada!

P.S.: Depois que escrevi esta crônica, recebi mais duas manifestações tão sinceras e fortes e lindas de leitoras do Paris que, em meio ao meu asfalto, acho que tô criando um jardim :). 

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