Intervalo comercial.

Numa conversa de fim de dia cansativo e pesado com uma amiga amada, eis que ela me sai com essa pérola: Amiga, essas crianças de hoje não sabem o que é um intervalo comercial. É por isso que vivem ansiosas e a culpa é nossa.

Bingo, Sarah!

A gente tinha ódio porque cortava a cena do beijo da novela bem na hora que ia rolar ÀQUELE amasso esperado por nós por, pelo menos, um mês. Puft! Entrava a Mesbla e as Pernambucanas com os brinquedos Everest para cortar o clima.

A gente nem percebia, mas a TV com seus intervalos comerciais, àquilo que fazia a gente esperar, criar expectativa, cultivar a vontade, aguçar a curiosidade, ela, a TV, foi professora pelo menos em uma coisa, nos ensinou a ter PACIÊNCIA. A gente era obrigada a esperar passar os comerciais, ou pior, esperar o dia seguinte pra continuar a ladainha. Intervalo comercial era terapia e a gente nem sabia.

Hoje, tá tudo disponível na hora que a gente quer, no Netflix, no Globo Play, no You Tube nas demais plataformas que você deve saber, mas eu desconheço porque sou muito analógica, acredite.

A paciência, coisinha que a gente perdeu na modernidade, é, junto com a falta de empatia, a desgraça das nossas vidas (tem outras, mas vou deixar quieto, mas se você quiser saber, é só clicar aqui).

A gente não aguenta esperar por um minuto a internet abrir o vídeo, não consegue esperar pacientemente numa fila sem reclamar, não consegue esperar os carro da frente se acharem no trânsito – tipo eu, que sempre me engano de rua e dou aquela paradinha… vivo levando buzinadas. 

A gente não tem paciência pra esperar germinar o amor. Brotar aquela delicinha, àquela expectativa da próxima ligação, ops!, do próximo direct, da próxima curtida na última postagem… Ai como é romântico o amor de hoje (contém ironia). Fato é que nós vamos metendo os pés pelas mãos e estragando tudo na primeira semana, antes que aconteça, antes que seja. 

A gente perdeu a paciência de escutar a amiga, perdeu a paciência de ficar uma hora no telefone com aquelas pausas de silêncio pra que uma respire antes de dizer que a amiga tá se metendo numa enrascada. A gente perdeu a paciência de falar e de ouvir. Perdemos a paciência com os idosos, com quem pensa diferente, com quem é mais “lento”.

A gente não suporta “perder tempo”, só que a gente perdeu a noção do tempo. A noção do que fazer com o tempo, de com quem gastar o nosso tempo. Ora! Gastamos horas conectados com quem nunca vimos e não destinamos dez minutos pra ligar e saber o resultado do exame da amiga? Será que deu positivo? Será que esse positivo foi bom? Só o tom de voz, minha gente, só o tom de voz é que pode dizer.

A semana passada me presenteou com uma conversa que eu jamais esperaria. Com um ídolo, com a mulher dele, conversa que nos enche a alma por um bom tempo. E olhe que gente que te preenche anda em falta, porque elas estão muito sem tempo.

A gente perdeu a paciência de se deixar doer com uma música de Caetano, de parar pra uma taça de vinho e conversa fora ao som de Tom. Perdemos a paciência para as mensagens subliminares. A gente só quer o que tá pronto, o fast food. E tudo o que vem rápido, vamos combinar, não tem tempo de pegar gosto, de absorver aromas, num instante vai.

Lembra daquela fogueira que a gente acendia pra olhar as estrelas noite adentro? Amigos, músicas, conversas, questões – tão simples, mas que pareciam vitais, e eram -, lembra do Green Day, dos Paralamas e do Kid Abelha?  Lembra de que pra gente ver o nosso ídolo, a gente esperava pelo show por anos a fio e que se tinha uma paciência de jó de ficar na fila umas oito horas antes? Lembra que a gente se apaixonava, se dedicava?

Toda paixão precisa de dedicação pra virar amor e toda dedicação precisa de paciência. E esta a gente perdeu.

Os fatos vão numa velocidade >> mode on a todo vapor. Time is money, ou pior, Time are likes. A gente só está existindo se estiver produzindo e isso é de um consumo de energia interna que é de envelhecer qualquer uma de 22.

Pois hoje eu queria, eu queria muito fazer um monte de coisas, mas meu corpo pedia pelo amordi pra eu ficar parada, deitada, quieta. Num intervalo comercial que durou um dia inteiro de domingo. Parei por exaustão. Parei porque a carcaça não acompanhou o tumulto da alma dos últimos dias.

Daí o dia passou. Sem praia, sem Ipanema, sem muita gente, sem nada extraordinário e, pacientemente,  eu esperei por nada.

Pois eis que, já noite, já fim de jogo, já na derrota da preguiça, sem esperar por nada, lá se vêm duas notícias maravilhosas, daquelas que enchem o coração de gratidão e entusiasmo. Coisas que nem esperava, mas queria, muito, e elas vieram.

Elas vêm. Basta ter um pouquinho de paciência. Dê o tempo do intervalo comercial, escove os dentes, coma alguma coisa e volte pra TV. Coisas boas sempre vêm.

Respostas de 2

  1. Paciência para cuidar de nós, para cuidar dos outros.
    Obrigada por mais este texto!
    Deixemos o intervalo comercial rolar até que a próxima cena venha e nos deixe sem ar (hi, rimou!). Grande abraço!

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