O QUE FOI?

Conversava eu com uma prima querida que me ligara pra me dar os parabéns. Falávamos sobre o passar dos anos, sobre a perda de colágeno, mas dos ganhos que só a maturidade advinda com o caminhar por esta jornada em meio a vales e precipícios, quando ela me sai com uma pérola:

“Envelhecer é bom, a gente vai deixando de se preocupar com as coisas, não quer saber mais de quase nada e pergunta cada vez menos “O QUE FOI?””

Ri alto. Perguntar cada vez menos O QUE FOI? é que é o segredo do sucesso para uma vida tranquila.

O povo na roda tá fazendo uma fofoca, falando mal de alguém e você chega atrasada e pergunta: O QUE FOI? Lascou-se. Imediatamente você estará envolvida nesta confusão e quando a fofoca rodar, lá sei vai seu inocente CPF cair na boca do povo como faladeira da vida alheia, sendo que você só perguntou O QUE FOI? pra ser simpática, pra se entrosar. Não adianta, a boca miúda não perdoa.

Se a polêmica for sobre política, então, experimente perguntar O QUE FOI?, pra você ver só. Vão desfiar o rosário desde a vinda de Dom Pedro até a posse de Jair, vão te chamar de comunista, ou de fascista, ou vão te recriminar porque você está por fora da última pérola proferida por nosso atual presidente e você ainda pode passar de ignorante. Meu conselho, não pergunte. Engula a curiosidade e siga feliz.

Disse-me esta prima que, depois que ela pergunta “O QUE FOI?”, bate um arrependimeeeeeento. Entendo. A vontade é de dizer “não, pera, não me interessa o que foi, vamos mudar de assunto para o que vai ser?”

Brincadeiras à parte – pois é claro que você precisa se interessar sobre política – está cheia de sabedoria esta colocação. Deixar de perguntar O QUE FOI? pode evitar de passar uma conversa pra frente sobre a vida de alguém que precisava de sigilo. Você pode evitar de fomentar diálogos invejosos, mesquinhos e que não agregam nada de positivo. Evita que você fale alguma coisa que não devia e que nem queria. Impede de que pensem coisas ruins de você… Saia da roda, vá tomar uma água, volte dois assuntos depois.

Não sei de onde vem essa necessidade que a gente tem de tudo saber, de se importar com a vida alheia, querer saber da desgraça alheia. Uma forma de socializar? Talvez, mas às custas de outrem que nem lá está pra se defender? Maldade. Talvez seja uma forma de expiar as nossas desgraças, no sentido “mal de muitos consolo é”. Mas é pequeno, né? É mesquinho, né? Melhor resolver com a terapia, com o espelho, com uma conversa, um banho de mar.

“O QUE FOI?”, a meu ver, tem melhor emprego em outras situações, como perguntar “O QUE FOI?” pro garotinho de dez anos que, em plena luz do dia está fazendo malabarismo no sinal em vez de estar na escola estudando e merendando. “O QUE FOI” para a moça que você encontrou aos prantos no aeroporto, ou no meio do shopping e você nunca viu. Acredite, em momentos de desamparo, uma pergunta dessas, do nada, pode ser luz. “O QUE FOI?” para a sua amiga que anda sumida e você achando que ela tá besta, mas que pode estar passando uma barra com o marido agressivo. “O QUE FOI?” para a questão dos refugidos no mundo. “O QUE FOI?” para as questões das mulheres negras, das mulheres em geral e dos pobres e dos negros em geral e dos gays e das minorias em geral. “O QUE FOI?” para o excesso de plástico que a gente produz e pela quantidade de lixo que fica nas praias todos os domingos. “O QUE FOI?” pra quem carrega uma depressão, um câncer, uma frustração, uma perda grande.

Enfim, são muitos os “O QUE FOI?” que valem a pena a pergunta. Pro resto, tô com a minha prima, melhor calar, deixar passar e pegar o próximo assunto que, dependendo do tema, eu não vou nem querer saber.

Bjs

5 respostas

  1. Cimecei a ler pensando que tinha muitos “i que foi” importantes e fundamentais. Exatamente comi voce concluiu. Bjo

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