Refugiados: sem pai, sem mãe, com Trump.

Eu não sei qual é a solução para o problema dos refugiados. Aliás, nem os “gestores dos países” sabem, que dirá eu. Portanto, essa crônica está longe, mas bem longe mesmo, de dar respostas àqueles que falam: não me venha com problemas, mas com a solução. Não passarão!

Mas eu me lembro muito bem de quando eu era pequena e do medo que eu tinha do mundo. Fui criada numa redoma familiar coesa, cheia de primos e tios que me acolhiam para todo canto que eu fosse. Até em sala de aula eu estava acompanha de três ou quatro primos, dependendo da série, além de que meu irmão estudava na mesma escola, um ano à frente, e mais uns quinze familiares também (já falei deles aqui). A gente só andava junto.

Minha mãe e meu pai sempre foram um poço de cuidado, carinho, apoio e amor. Nunca me faltaram esses sentimentos base que transmitem, na primeira infância, segurança, auto-estima, tranquilidade, enfim, coisinhas vitais para que, se tudo der certo, nos tornarmos adultos “normais”.

Mesmo assim eu morria de medo. Mesmo cercada de tantos eu me sentia desprotegida e insegura. Mesmo sabendo que dormiria na mesma casa que meus pais todo santo dia eu tinha medo de sair de perto deles, eu tinha medo de fogos, eu tinha medo de tarado, enfim, eu tinha medo. Lembro-me de, no colégio, sofrer como quem é abandonado de tanta solidão e desamparo que me dava quando eu via o carro da mamãe sair por aquele maldito portão. O cheiro, as professoras, a salada de aula, tudo me remetia à prisão e eu só queria sair dali.

Enquanto escrevo, consigo quase que pegar nesse vazio.

Aí vem essa notícia da separação de pais e filhos na fronteira dos EUA com o México e, sinceramente, as palavras me fogem pra descrever um incômodo desses.

Como assim um ser humano consegue se esquecer do que fôra um dia, uma criança, e tratar essas coisinhas tão preciosas como estatística? Aliás, me incomoda terrivelmente quem trata pessoas como estatística. Isso é fuga pra não pensar no outro como semelhante e espiar a culpa de não estar fazendo nada e de, talvez, estar achando é bom que “esse tipo de gente” esteja sendo dizimada, mal tratada e servindo de exemplo.

Aliás, esse termo “esse tipo de gente” pra falar de minorias… Refugiados são pessoas, como nós, Negros são gente como a gente, Feministas, também são pessoas, Gays, [Indios… É tudo pessoa, caso ainda não esteja claro para alguns. Sei não. É muito conceito pra tratar numa crônica só. Vamos focar nas crianças separadas dos pais.

Fiquei me imaginando um pouco naqueles pequenos. Me vi ali, só, com frio, sem colo. Das frases que mais me tocam dentre esses ditos populares é o que diz: Aqui a criança chora e a mãe não ouve. Vocês conseguem imaginar um desespero maior do que esse? Você chorar sem ter sua mãe pra te olhar com aquela cara de que tudo vai ficar bem, ainda que não vá?

Daí que, em pleno 2018, com todos os temas antes maculados agora sendo levados às mesas, às rodas de amigos, aos almoços de família, às manifestações, às redes sociais… Quando todo mundo está falando de direitos humanos, direitos das mulheres, dos negros, dos gays, dos pobres… Com toda a forma de conviver sendo problematizada e elevada a níveis mais sofisticados da discussão, como: casamento entre pessoas do mesmo sexo, direito ao aborto, sistema de cotas em escolas e universidades, legalização da maconha, uso da Cannabis para fins medicinais… Quando a gente pensa estar avançando, ainda que aos trancos e barrancos, vem este ser (que nem posso chamar de humano) e separa pais de filhos.

C O M O  A S S I M????????????????

Que p@##$ é essa, meu irmão????????????

Voltemos à estaca zero, tudo menos isso, isso é errado, isso dói, isso NÃO. Definitivamente, não.

Fico tentando imaginar o que se passa na cabeça dessas pessoinhas sendo submetidas a traumas tão fortes em um estágio ainda tão cru de nossa existência, quando nossas defesas emocionais são quase nulas, quando não sabemos nem dar nome aos sentimentos, quando ainda acreditamos em papai Noel e coelhinho da páscoa… Vem um bicho papão desses e te separa da tua mãe e do teu pai?

Vou mais atrás e imagino o discurso desses pais com seus filhos:

-Filho, a vida da gente aqui está muito difícil, papai não tá arrumando emprego e nem a mamãe e não temos mais dinheiro pra escola e nem para alimentar vocês. Então, a gente vai fazer uma viagem beeeeeeem grande pra um lugar onde a gente vai ser muito mais feliz. A gente vai morar lá onde moram o mickey e a minnie. O papai vai conseguir um trabalho e vocês vão estudar numa escola muito legal.

-Mas mamãe, e os meus amigos daqui, e meu cachorrinho, e a vovó e o vovô?

-Filho, a gente vai ganhar dinheiro e todas as férias vai voltar aqui pra ver eles, tá bem?

-Tá bom, mamãe.

Aí começa a saga e, sabe-se lá Deus como esses pais conseguem aguentar essa angústia de tentar causar o mínimo de trauma possível diante da cruel jornada de imigração. Aí se arriscam, passam frio e fome, quando não morrem. Aí chegam, exaustos físico e emocionalmente.

Imagino aquelas carinhas assustadas, mas em terra firme, deve lampejar um tracinho de esperança.

Aí vem um moço vestido de polícia, igual àqueles que os niños viam nos desenhos e brincavam com bonecos e diz para eles: Olha, você vai pra um lado e a mamãe vai pro outro, certo?

Sem mais, minha gente. Não sei mais o que falar.

Não mesmo.

Me ajude a terminar essa crônica nos comentários porque eu tô igual àquela mulher – que mulher! – que chorou em cadeia nacional americana quando leu a notícia.

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