O cronista e o governo de Jair: um rolezinho por 2019 (ainda)

rolê

Já falei algumas vezes aqui sobre o ofício do cronista, este ser que vaga nas ruas com olhar atento ao micro, ao macro, ao cotidiano, a uma cena, um cenário, uma árvore que foi derrubada, um casal que se amassava enquanto o sinal verde não dava fim ao amor, a uma criança abandonada, à água do mar, a um esgoto aberto que fede a cidade… Enfim, um sem fim de temas que inspiram o cronista que, bem longe de intentar-se uma tese, ou uma opinião definitiva sobre algo, transforma em arte a sua percepção de mundo e, através dela, da arte, termina por fazer alguma denúncia, alguma crítica, uma ironia, um elogio. Este cara, ou esta cara que passeia por aí, é conhecido na literatura como Flanair. – nome de origem francesa e que Baudelaire o representou tão bem.

A crônica, que se popularizou bastante no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, com o João do Rio, ali no finalzinho do século no século XIX, que costumava passear pelas ruas da cidade maravilhosa e ali buscar fonte de informação e inspiração para a sua coluna no jornal. Crônica tem a ver com “chronos”, do latim, que tem a ver com tempo.

Até aí nada de tão relevante para você, não fosse o nosso inominável presidente Jair Bol… querer se aventar como cronista e flanar pelas ruas tirando suas próprias conclusões sobre a situação social, política, ambiental, cultural e todas as outras esferas as quais ele deveria tratar com seriedade. Não que o cronista não seja uma pessoa séria, muito pelo contrário, são seríssimas. No caso, Bolsonaro, ao tentar-se um de nós, desmerece a classe. 

Trazendo a “valor presente”, mudemos o nome flanair para “rolê”. Jair Bolsonaro tornou-se o presidente do “rolezinho”, termo que acabei de ouvir na Globo News e, sim, achei que descreveu muito bem a atual gestão presidencial.

Vamos aos fatos, porque eu sou cronista e levo a sério meu ofício que faço com gosto, muito gosto.

O presidente deu uma voltinha de carro – não sei se pelo Rio ou Brasília – e constatou que quem afirma haver pessoas passando fome no Brasil está mentindo, dado que ele mesmo, em seu “rolê” não viu ninguém esquálido.

Vamos ao segundo fato. Ao sobrevoar a Europa e ver que não há uma área de vegetação tão grande quanto a Amazônia por lá, Jair concluiu, portanto, que o Brasil preserva muito mais do que a Europa o meio ambiente e disse que a Ângela Merkel não tinha nada que palpitar por aqui, não.

Seguindo ainda no assunto Meio Ambiente, Bolsonaro desafiou os colegas – presidentes sérios como Macron e a própria Merkel, a virem dar um rolê de helicóptero por aqui, pelo “nosso” pulmão do mundo a fim de constatarem que não há desmatamento algum entre Boa Vista e Manaus, sendo que os dados do Inpe mostram um aumento de oitenta por cento de desmatamento em Junho em relação ao mesmo período do ano passado.

E por falar no Inpe, o presidente e seu hábito rolezeiro, disse que “esse” Inpe não sabe do que tá falando, não, que esses dados não estão certos e que há é um complô contra seu governo. Sim, o presidente, além de tudo, gosta de viver perigosamente, pois, apesar dos rolés, tem uma mania de perseguição.

Agora visualizei ele passeando por Copacabana, tirando conclusões, enquanto olha de viés com medo de fantasmas. Sim, o Comunismo, O Lula – ainda que preso, A Marielle, as ONGs e tantos outros que o perseguem. Coitado.

Por fim, para fazer apenas um recorte das falas dos últimos dias, pois, aprendi no mestrado, esses que se fazem em universidades que, segundo o Jair, em um desses rolés que ele não deu, mas inventou, é lugar de balbúrdia. Mestrado, essa coisa que não se valoriza mais tanto no atual cenário, aprendi lá no meu metrado que toda pesquisa precisa de um recorte, se não, não tem fim. Realmente, as barbaridades proferidas pelo nosso presidente são infindáveis.

Por fim, portanto, fiquemos com sua opinião a respeito da escravidão que, segundo ele, não há nada que ele tenha de fazer pelos negros, pois o seu rolê de vida não alcançou o período escravocrata no Brasil, logo, segundo o ser em questão, ele não tem nada a ver com isso. Bem como não reconhece o período de ditadura militar no Brasil, porque, provavelmente, rodava na rua ao lado dos torturadores e jamais teria uma empatia a um torturado, caluniando, inclusive, na semana passada, a Jornalista Míriam Leitão que fora, sim, torturada no período.

O perigo que corremos é grande. A gente trata com ironia que é pra ver se o eleitorado d´ele entende que há um despreparo e uma tentativa de desmonte de uma democracia ainda tão crua e galgada numa constituição diariamente ameaçada e conduzida pelas brechas.

Um cara que se diz incapaz nas áreas mais importantes que deve ter conhecimento, como economia e segurança. Um cara de quem não se ouve uma declaração sobre o que fazer com a miséria – não tô falando da pobreza (que ele também pouco se importa), mas da miséria – não faz uma menção aos miseráveis, não faz uma menção aos negros, que busca extinguir, ainda mais, os índios e desestruturar a cultura nacional. Que não se manifesta sobre crimes bárbaros em nosso país, que homenageia o agressor em vez do agredido, enfim, é sem fim.

Ainda que se tenha críticas a todos os órgãos políticos do Brasil, país que se formou com base no “vou me dar bem às custas de alguém” ou “só faço se eu receber propina” em todas as esferas e, principalmente na política, não é na base do “eu vi”, “eu penso”, “eu acho” que daremos a solução.

Se for pra ser na base do rolê, suba o morro, frequente hospitais públicos, matricule os netinhos nas escolas públicas, tente uma consulta pelo SUS e, por fim, sem fim, venha dar um rolezinho aqui pelo Nordeste. Somos oito além da Paraíba, com letra maiúscula, pois é um estado desta nação que, infelizmente, você deveria chamar de “sua” em tom de acolhimento, e não de recortes e exclusão. Desse modo, quem sabe, o senhor, senhor presidente, possa ter uma visão mais realista para os seus desmandos, ops, para as suas conclusões, sanções e deliberações.

 

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