Se eu não envelhecesse

Se eu não envelhecesse

Vivemos numa corrida contra o tempo.

Acordamos correndo pra dar tempo de trabalhar, pra dar tempo de ganhar dinheiro, pra dar tempo, se tudo der certo, de viajar nas próximas férias. Temos que aproveitar enquanto ainda somos jovens e temos disposição.

Corremos contra o tempo cronológico, contra as rugas, as manchas, as pregas, os cabelos brancos e até contra as linhas de expressão, essas mesmas que deveriam dizer de nossas emoções, medos, sorrisos, angústias, alegrias, tesão, orgasmos… Lutamos contra elas pra que sempre pareçamos ter o mesmo semblante dos vinte anos, só que sem emoção, claro.

Lutamos contra os quilos que chegam e demoram a sair com a idade, lutamos contra a roupa que julgamos não ter mais idade pra usar, sendo que nos caía tão bem aquele macaquinho jeans com a regatinha verde… Como pôde se perder em meu corpo essa peça que era bendizer parte de mim.

Reclamamos. Tempo bom era aquele que a gente passava a noite na balada, acordava pra trabalhar e dava conta de tudo, com um aspecto até razoável… Vai fazer isso depois dos trinta, parece, meu amor, que você está com uma virose há dias.

Lamentamos. Saudade da infância, da adolescência e da falta de responsabilidades. Nos perguntamos porque raios o tempo foi passar tão depressa. Vem aquela angústia horrível de não reconhecimento de si mesma, uma vontade de ser o que era… Mas será que vale a pena mesmo voltar atrás?

A partir do comentário de um leitor aqui no blog, que falou, ao se deparar com os sobrinhos netos e com os cabelos brancos dele e dos seus pares, ficou impressionado e lamentou como estavam todos ficando velhos.

Pois bem, se eu não estivesse envelhecendo, eu não teria conhecido o Nelsinho, a coisinha mais gostosa que a tia Lu tem nessa vida, meu sobrinho, meu amorzinho. Só aí já vale a pena toda a passagem do tempo e as crises. Mas tem mais.

Se eu não estivesse envelhecendo, eu não conheceria nem uma de 25 novas pessoinhas que chegaram na minha família, os filhos dos meus primos, que são umas coisas lindas, amáveis, engraçadas, excêntricas e como ensinam a gente, meu Deus.

Se eu não estivesse envelhecendo, não teria maturidade para decidir abandonar um casamento que não estava bom, aliás, não teria nem me casado se tivesse apenas vinte anos. E é muito bom casar, assim como é bom se separar quando o casamento vai mal.

Se eu não estivesse envelhecendo, jamais poderia começar do zero outra profissão, tentar outra carreira, outra vida, n’outra cidade. Não conheceria o que é se sentir frágil e vulnerável mesmo já tendo vivido situações parecidas antes. E também não saberia nada sobre resiliência e paciência que tudo vai melhorar, isso a gente só aprende com o passar do tempo.

Se eu não estivesse envelhecendo não estaria viajando só por aí, em busca do novo, em busca de mim. Ninguém aos 20 está em busca de si. Aos 30 sim e talvez siga essa busca até o fim dos dias, que hão de demorar pra chegar, se tudo der certo.

Sem envelhecer, a gente não volta a perceber que PAI e MÃE são as melhores invenções que já houve nessa vida, seja de Deus, da ciência, do universo, do acaso… Pra mim, nada me aconteceu na vida que fosse melhor do que isso. E, sim, não é legal vê-los envelhecer, mas é legal vê-los por perto por muitos e muitos anos, portanto, fiquem velhos, mãe e pai, muito velhos, bem velhinhos… Estarei sempre aqui.

Com o passar da idade foi que aprendi a apreciar um bom vinho e como isso muda a nossa vida. Também aprendi a amar cerveja e como isso socializa a nossa vida. Aprendi a importância dos amigos e como quero tê-los cada vez mais perto de mim.

Aprendi a valorizar cada conversa com minhas tias, meus avôs e pessoas mais velhas do que eu, eles têm muito pra falar e pra contribuir com a nossa história e nossa visão de mundo. E como fazem esse mundo valer mais a pena. Como é bom olhar pra trás e ver “idosos” tão à frente, se reinventando, amando de novo e mostrando que o tempo só envelhece quem se permite morrer em vida.

Podemos sim, ser eternamente jovens, se você considerar que ser jovem é ter garra, gana, vontade, tesão. Sim, aparecerão as linhas de expressão, as rugas, as pregas, os cabelos brancos, as lesões e as limitações…

Mas veja bem, se pra conhecer o Nelsinho eu tinha de passar por tudo isso e, para vê-lo crescer vou ter de continuar passando, eu quero todas as linhas que expressam o quão feliz eu sou por ter tido essa oportunidade na vida e, tomara, continue tendo até eu virar uma ameixinha (tive um namorado que dizia assim, que ficaríamos duas ameixinhas juntas, pena que não ficamos).

2 respostas

  1. Linda reflexão, Luciana.
    Me fez lembrar o livro Ciranda das Mulheres Sábias, da Clarissa Pinkola Estés; o subtítulo dele é “ser jovem enquanto velha e velha enquanto jovem”. Que consigamos vivenciar nossos dias de forma intensa e autêntica, assim a passagem do tempo ganha um ritmo de dança e a gente aprende a dançar e adorar a música.

    1. “A passagem do tempo ganha um ritmo de dança…” lindas e sábias palavras. Vamos dançar nesse compasso lindo que é viver. Adorei ter você aqui.
      Bjs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.