coisa mais linda

Na minha crônica da semana passada eu falei rapidamente sobre uma série nova do Netflix, a qual me pegou pela alma (a crônica está aqui). Uma leitora que também estava assistindo a série me sugeriu que eu fizesse uma resenha sobre ela. Aqui vai o que me mexeu, me inspirou e se escreveu sobre essa Coisa mais linda que é a série homônima.

Coisa Mais Linda – Resenha 🙂 

Você está num momento meio escurecido da vida. Sim, estamos todos. Não há quem esteja em paz com essa quantidade de feminicídios, com o caminho para o qual o assassinato da Marielle está nos levando, com tudo o que ainda não sabemos sobre o caso. Não há quem esteja em paz com essa crise no (des) governo, com o bate boca do presidente do Brasil com o presidente da câmara. Não há quem se deite sem pensar no que será da nossa educação com esse ministro que não apresentou um projeto sequer após três meses de governo. Sem falar da picuinha Moro e Maia e da última entrevista do “Posto Ipiranga”. A gente fica pasmada diante do playground do Jardim 2 no qual se tornou a gestão do Brasil. Fora Brumadinho, fora o Boechat – mas como esse cara faz falta em meio a tanta polêmica. mas faz demais. Afora a comemoração do dia 31/03 (fiz a minha crítica sobre isso aqui) pelo presidente, afora o presidente…

Pois bem, em meio ao meu joelho cheio de dor, eu resolvi assinar o Netflix – acredite, não assisto séries – para assistir Coisa Mais Linda, escrita também por um primo, cujo tema dissera-me ele, trataria do início da Bossa Nova. Ora, falou em bossa nova, lá se vem Vinícius, Tom, Nara e companhia ilimitada de gente amada e talentosa e indispensável num mundo oco no qual estamos imersos… e, claro, meu Rio de Janeiro. Pensei: vou ver!

Comecei a assistir no Sábado, dia 23/03 e terminei de assistir, acredite, no sábado 23/03. Puft, num piscar de olhos e num bater apaixonado, e sofrido, e amado, e encantado, e indignado, e resignado, e contestador, e revolucionário, e resistente, e feminista e não machista do meu coração, eu vi tudo. Num só dia.

Sim, a série é tudo isso que meu coração sentiu. Sem falar da trilha sonora e de um tal de Chico (que é uma mistura de Tom e Vinícius e Dorival) que, meu pai eterno!, somente invocando quem eu nem creio pra eu descrever o que significa aquilo (aquele) ali. Aliás, devia era ser proibido inventar um personagem que venha arrebatando nossos corações assim, com um jeito meio naive, sério, doce, empático, gostoso (muito), gato (demais)…Ai! Sem mais.

Mas a série não é dele. Aliás, não é deles, a série é delas. Aliás, não só delas, mas nossa. Delas, deles e da gente porque não há como não se identificar. Os personagens são uma uma misturada de gente que a gente conhece, mas ao mesmo tempo eles têm personalidades tão singulares que não se vê inteiramente em ninguém.

Lígia (Fernanda Vasconcelos), além de ter o nome da mulher do Tom Jobim, é uma mistura de Maisa com Dalva de Oliveira com um foco na liberdade e na felicidade que deve levá-la para uma Nara, não sei… Fernanda Vasconcelos tá dando um baile de interpretação e emoção à sua Lígia. Dá gosto de ver.

Malu (Maria Casadeval), a protagonista, é parida por Danuza, com Leila Diniz, e, se você cavar, vai ver a Rita Lee ali e suas inconsequências (veja bem, isso não é uma crítica. Só os que se arriscam, os que se permitem pisar em falso é que vivem) com uma doçura e uma força desconhecida até pela própria Malu, que faz qualquer uma de nós se identificar. Afinal, a gente é feita para duvidar de nossas potencialidades, não é mesmo? Malu faz esse machismo ir se desmanchando com um sotaque paulista apaixonado pelo Rio que é de derreter qualquer resistência.

Adélia (Pathy de Jesus), o que falar de Adélia? Adélia é um pouco Carolina Maria de Jesus com Conceição Evaristo e Val do “Que horas ela volta”. Descendo a camada da Adélia, você pode encontrar até Anita Garibaldi e Maria Bonita (mas sem nenhuma vocação para aguentar machismo). E Adélia é ela, só ela, com lutas, paixões, vontades e não resignações. Adélia é imensa.

A Teresa (Mel Lisboa), bebe na fonte de Simone de Beauvoir com Frida Kahlo com uma contemporaneidade e uma leveza de ser o que se é, sem culpas, sem regras, mas com uma inteireza e integridade admiráveis. Ela parece carregar em si todos os movimentos feministas de hoje, como o #mexeucomumamexeucomtodas #agoraéquesãoelas #girlpower, bem como, bastante contemporânea ao Woodstock e ao movimento Hippie. 

Misturou tudo? Bateu por uma hora no liquidificador? Pois agora bota no forno porque esse fermento faz crescer e muito. 

A série é Delas. Os homens são coadjuvantes, mas são fundamentais. Com personalidades que vão do machista que sempre leva uma na cara e aprende a lição, à outro que naturalmente percebe a paridade dos gêneros e faz qualquer uma de nós se apaixonar, ao que já entendeu que viemos nesta vida para amar, sofrer, mas principalmente, respeitar, esses homens colorem as cenas de forma que nos faz questionar comportamentos nossos e o que permitimos que seja impetrado contra nós. Nos homens têm Miéle, tem Bôscoli, tem alguns caras que eu conheço e uns que eu nunca ouvira falar. Uma salada linda. E tem os machões também, uns babacas incorrigíveis, feito alguns que ainda vemos pastar por aqui.

Às vezes chega a doer, por vezes você pode achar que essa luta feminista não é mais novidade. Mas não se esqueça de que ainda estamos nos anos 60 e que o comportamento de Teresas, Ligias, Malus e Adélias de outrora, foi que nos permitiu chegarmos onde chegamos hoje.

Quer dizer, onde mesmo que chegamos hoje? Se homens ainda continuam matando mulheres pelo fim de seus relacionamentos? Se o abuso contra nós ainda ocorre a cada uma hora em pleno 2019. Se nossos salários ainda são menores, se nossas opiniões ainda são tidas como “histéricas”, se nossas questões são tratados como mimimi? Avançamos?

Bem, não vou ficar aqui discutindo esses temas, não nesta resenha. Muito menos vou dar spoiler, não vou tirar a graça do que é, não vou amenizar o peso antropológico e, ao mesmo tempo, contemporâneo do que se vê e do que se vive ao assistir. Só adianto que tudo isso é regado à bossa, à amor, a desejo, a beijos, a sonhos, a projetos e vitórias. Pra mim, foi como se eu pudesse entrar num período no qual eu adoraria ter vivido. Àquele cujas reuniões da Bossa Nova aconteciam na casa da Nara Leão, que, à época, era casada com o Cacá Diegues, quando os bares eram frequentados por Tom e Vinícios, quando o Chico Buarque (ah!, meu Chico Buarque)… Ah! Vou parar por aqui.

É a coisa mais linda essa misturada de gente linda com gente real com uma ficção tão nossa e com a paisagem do Rio de Janeiro.

Vê lá e me diz.

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