Liberdade x Livrar-se x Libertar-se

liberdade, libertar-se, livrar-se

Meu orientador, Júlio Diniz, sempre repete em sala de aula que o “Lobo é o cordeiro assimilado”, quando ele quer explicar que não precisamos fazer referência a todos os autores que queremos citar, pois já não é mais o que o autor falou, mas o que eu absorvi e reproduzi do que disse tal autor. Eu mesma já me esqueci quem é o autor da frase do lobo. Se eu me lembrar digo no final desta reflexão.

 Todo esse preâmbulo não tem a ver com o que venho refletir, mas me serve de desculpa para não fundamentar em nenhuma teoria os meus pensamentos, pois eles são fruto de muitas leituras, muitas trocas em sala de aula, mesas de bar…

Hoje eu vi uma filmagem aérea da quantidade de pessoas que foi ao evento conclamado pelo ex-presidente em prol de si mesmo. Estava cheio de gente. Mas foi a legenda do vídeo que a pessoa colocou que me levou a refletir sobre “Liberdade x Livrar-se x Libertar-se. A fase dizia: “Conhece a verdade e ela te libertarás”. Essa está na bíblia, em João, mas não vou atrás de mais detalhes, pois já me desviei demais do foco.

Penso que há atualmente uma confusão entre esses três conceitos que mencionei: Liberdade, Libertar-se, Livrar-se.

Veja bem, o lema do ex-presidente é “Deus, Pátria, Família e Liberdade”, ora, como pode alguém falar em liberdade se não está inclusa, por exemplo, a diversidade? Como é ser livre em um país onde homossexuais, transsexuais, e outras formas de se relacionar são absolutamente rechaçadas em nome de uma única forma de família: pai, mãe e filhos?

Como é possível falar em liberdade quando o ex-presidente, o Jair, fala que uns vão ter que morrer na favela em operações policiais para que outros sejam presos? Ou seja, está liberada a bala perdida que mata mulheres grávidas e crianças indo para a escola em prol de pegar meia dúzia de traficantes, quando a gente já entendeu que não vai ser dessa forma que se acabará com o crime organizado. Como podemos entender por liberdade um país que valoriza a vida de brancos, mas não a de pretos?

Como pode entender por liberdade um governo que só aceita uma única forma de ter fé, no caso, a evangélica? Como pode falar em liberdade um governo que condena a arte ao ridículo, censura aquilo que não lhe apraz e desestimula a diversidade artística?

Penso, portanto, que o que muitos entendem por “liberdade” seja, na verdade, uma forma de “livrar-se” do que esta pessoa não concorda, ou não gosta.

O que os eleitores de Jair defendem como liberdade é uma forma de ser única: um único jeito de pensar, de amar, de agir, de rezar, de se relacionar, de pensar sobre o meio ambiente, sobre os pretos, os pobres, os índios… Ou seja, a liberdade para alguns seria uma forma de se livrar de tudo o que, a seu ver, mancha a forma como o mundo “deveria ser”. Um mundo heteronormativo, de cor de pele branca, com mulheres que vivem para servir à família, ao marido e a Deus – como é a Michele Bolsonaro.

Quando ouço falar que a liberdade viria após o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, instituições que, ainda que com falhas, garantem a diluição do poder máximo e que impedem que tenhamos no Brasil ditadores como Putin, Fidel Castro, Maduro, Chin Jin Ping, Hitler, Mussolini, dentre outros tiranos que já passaram por esse planeta ou que ainda estão por aqui; como é possível pensar em liberdade sem a diluição do poder?

Como é que, ao mesmo tempo que falam em liberdade, clamam pela ditadura?

Só se pode concluir o seguinte: o que uns chamam de liberdade na verdade é sim uma maneira de livrar-se do que se considera ruim, imoral, fora do padrão, da tradição, etc.

Mas onde entra o terceiro conceito proposto aqui, o de “Libertar-se”?

Pois bem, muitos do que não aceitam a liberdade em sua premissa básica – que é a de deixar a criatura ser o que ela quiser ser, desde que ela não agrida ninguém – são, na verdade, pessoas que temem que essa tal liberdade possa, de alguma forma, invadir a sua vida e ameaçar o que ela entende como certo. Ou seja, ela tem medo de que a liberdade de uns seja contagiosa, como o homossexualismo, por exemplo, e morrem de medo de chegar perto disso. Por isso rejeitam.

Falei que não iria fundamentar teoricamente, mas vou, Freud tem um artigo brilhante chamado “O Estranho”. A “grosso modo”, ele advoga que a gente só estranha aquilo que, de alguma forma, está em nós. Seja em forma de recalque, de trauma, de medo, ou de desejo, interesse… A gente só é capaz de estranhar aquilo que reconhece, que se encontra na gente mesma e não se admite. Aquilo que não está em nós, nos passa despercebido.

Ah, Luciana, então você está dizendo que Freud disse que, se eu não gosto dos gays é porque eu sou gay e não saio do armário? NÃO, meu querido, minha querida, não se apavore. Pode não ter nada a ver com isso, mas, de alguma forma, esse tema encontra em você alguma identificação. Só uma análise poderia te ajudar.

Quando eu falo de “libertar-se” estou sugerindo que, quanto mais você se autoconhece, menos medo do comportamento alheio você tem, pois você não é uma esponja que absorverá tudo o que chegar perto de você. Você é você e não vai se incomodar em nada que o outro seja o que ele ou ela quiser ser.

Defender uma liberdade que não inclui a liberdade de todo mundo – desde que a liberdade de um não agrida a liberdade do outro (conceito sábio de mamãe) – não é defender a liberdade, mas é tentar livrar-se deste outro. Lutar contra esse tipo de liberdade tão castradora é uma forma de libertar-se de seus medos que geram os seus preconceitos (sim, os preconceitos são gerados pelos nossos medos, mas isso é tema para outro papo).     

P.s: Pesquisei sobre a frase do lobo do cordeiro e achei uma de Paulo Valéry: O leão é o carneiro assimilado. Eu já assimilei tanto que troquei até os bichos.

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