NOTRE DAME – Por quê lamentamos tanto.

Foto da Notre Dame por "dreamstime". Ilustrei com as lágrimas.

Na última segunda-feira a tarde da gente foi coberta por chamas. As imagens horrorosas vinham de Paris, lá do primeiro mundo, e, aqui no Brasil, a gente ainda nem tinha se recuperado do incêndio do Museu Nacional. Quer dizer, eu nem sei se o incêndio do Museu Nacional causou a comoção que deveria causar entre nós (grade essa afirmação dura para já, já).

A França ficou consternada, o mundo ficou consternado. Eram 13 milhões de pessoas que visitavam o monumento todos os anos, uma igreja que fora construída em 1163, ou seja, quase mil anos antes de nós estarmos aqui. Não, não é pela fé que dói tanto. Claro que não estou desmerecendo a fé de ninguém e, para muitos, deve estar doendo em dobro.

Sabe por que que dói?

Dói porque quando se perde um monumento assim, pega fogo parte da memória, como se se incendiasse um pedaço da história.

Quando o Isis destruiu treze monumentos históricos na Síria e no Iraque doeu, muito, porque, junto com a explosão daquelas colunas, lá se foi um passado que não há mais ninguém pra remontar, lá se foram locais que significavam conexão e pertencimento para muitos que habitam àquele lugar. E pior, a tentativa era de anular e/ou adulterar uma memória.

Os monumentos, a literatura, as obras de arte e tudo isso que vem sendo subjugado numa tentativa de anular o passado e modificar a consciência histórica tão cara à uma nação – agora estou falando do Brasil especificamente, meu lugar de fala) – os monumentos dizem para nós o que já fomos, numa tentativa de que a memória possa ensinar aos descendentes dali e demais cidadãos desse planeta tudo o que houve até chegarmos nesse contexto no qual estamos inseridos. É o que foi que nos diz do que somos e nos orienta para o que seremos, ou não.

Eu não sou profunda conhecedora da história européia, mas ouso dizer que incêndio na Notre Dame dói porque a França, assim como boa parte da Europa, pelo menos por onde tive o privilégio e o prazer de caminhar, faz questão de manter viva a sua história, seja ela de vitórias ou de derrotas, vexatórias – como no caso do Nazismo na Alemanha – ou gloriosa, mas também sangrenta e sofrida – como a revolução Francesa. Seja qual for o teor, a memória é preservada, ou melhor, a memória é exaltada.

Faço um parêntesis para dizer que a Espanha é um país cuja memória da ditadura do Franco foi e ainda é maculada (assista ao documentário do Almodóvar  – O silêncio dos outros – e você vai ver o quão cruel e prejudicial a uma nação é a ausência de sua memória).

Pegando um voo de volta para o Brasil, o que temos: Um museu Nacional incendiado, nenhuma comoção nacional em prol dele e ouso dizer que mais brasileiros conhecem a Notre Dame do que conheceram o Museu Nacional. Eu sou uma, por exemplo. Morando no Rio e nunca fui lá. Perdi. Adendo, meu pai tem um amigo em Fortaleza que já visitou três vezes o Museu Nacional. Ficou arrasado com as chamas.

Qual a diferença? Por que a gente não está muito aí e, agora que foi na Europa, a gente se importa? Afora o fato de termos tragédias em sequência e, quando estamos sofrendo pela primeira, lá se vem a quarta, a resposta é muito simples.

Porque o Brasil insiste em não criar memória, principalmente memória afetiva e de retratação com o seu passado. Porque o Brasil insiste em tratar negros e pobres como um problema social, como bandidos e não olhar para o passado escravocrata que reinou aqui durante três séculos – eu disse 3 (TRÊS) séculos nos quais uma raça de pele dois ou três tons acima da minha fora tratada feito máquina, feito o que não sente, não chora, não dói. Pior, fora tratada com desrespeito, desprezo e violência de todo tipo que você puder imaginar.

Mas nisso ninguém tá interessado. Melhor é mandar flores para a polícia quando ela elimina uns dez ou doze de uma vez. Um a menos… E viva a assepsia social na qual estamos injustamente inseridos. Coloque neste pacote as mulheres também, nós somos uma parte menor da história, nossas questões, nossas inquietações, nossas reivindicações também são caladas, baleadas, fuziladas.

É por isso que dói. Foi por isso que, quando liguei para comentar com meu pai, sua voz era a de quem havia perdido alguém por quem se tinha um apreço. Aliás, segunda perda familiar, mesmo sem ser, neste ano de 2019. Sem Boechat para comentar as atrocidades cotidianas e, agora, sem Notre Dame.

A França já disse que vai construir tudo de novo. Já abriu uma vaquinha e, de ontem pra hoje já passa dos dois milhões de Euros para a reforma da Igreja. Gente de todo lugar do mundo e, acredito que em massa, os franceses. Vai reerguer e, daqui a 100, 200, 1.000 anos, quando eu já tiver virado alma, ou virado pó, alguém vai visitar Paris e vai ver uma placa em frente à igreja dizendo: Esta Igreja foi parcialmente destruída em 2019, fruto de um incêndio em suas instalações. Com o apoio do mundo inteiro, a França reconstruiu este patrimônio da humanidade para que a história de nosso povo – do mundo inteiro, nunca se perca.

Tomara que eu esteja vagando por lá. E por aqui também, tomara que, daqui a uns 100, 200, 1.000 anos, as pessoas no Brasil possam se importar com o que realmente importa: O OUTRO.

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