Nunca pensei que pudesse ficar tanto tempo sem vir aqui… Não parei de escrever, é fato, mas agora só escrevo tese, o que já é tanta coisa que quando eu posso descansar a vista, tudo o que eu não quero mais é olhar para esta tela.
Mas me faz falta… Agora, tamborilando meus dedos aqui, livremente, sem me preocupar com referências, com citações, com as regras da ABNT e em concatenar os pensamentos de acordo com as referências bibliográficas, eu vejo como me fez falta essa ausência.
Acho que eu fiquei sem assunto, por isso não vim. Fiquei com receio de você achar que meu texto estava mais para um desabafo em um diário do que mesmo uma crônica, que é essa narrativa literária fantástica que, partir de um olhar pessoal, passional para falar de algo que diz respeito a muitas e muitos de nós.
Acontece que pensar dói. Dói, Luciana, como assim? Dói, gente. Dói e queima até caloria. Uma nutricionista me falou que preciso ingerir carboidrato pra poder me concentrar na escrita da tese. Pensar queima muita caloria e só o carboidrato para alimentar este músculo cerebral, que muitas algumas pessoas optam por usar tão pouco, não é mesmo?
Pensar dói, cansa, e pior, te leva a questionar, e quando você começa a questionar o seu entorno ou a você mesma, isto é o que você anda fazendo com o seu maior patrimônio que é a sua vida, minha amiga, o bicho pega, dá uma trabalheira medonha e isso ainda tira a sua paz.
É por isso que tanta gente prefere deixar tudo como está. Não lê, não busca outras fontes de informação, nem de amizade que seja, ou seja, nada que mude o que já está dado, o que está posto desde que o mundo é mundo… Pelo menos para esta criatura não pensante. Eu entendo. Ora, se a pessoa está tranquila, fazendo tudo o que é certo e seguindo com sua vida, pra que buscar confusão consigo mesma e com o mundo?
Vamos a um exemplo bem básico de questionamento – ou não questionamento. No Brasil, estamos acostumadas a ver pessoas negras ocupando cargos subalternos em todas as áreas. Nas empresas, muitos negros são serventes, limpadores de salas e banheiros, guardadores de carros, mas quase nunca são gerentes, chefes de alguma coisa, ou presidentes. Em nossas casas, as pessoas negras geralmente são empregadas domésticas, babás e afins. Você já se perguntou por quê?
Não estou desmerecendo nenhuma profissão, óbvio, estou mais atenta aos menores salários da cadeia de produção do que ao status.
Pois bem, vamos à história. Os negros vieram parar no Brasil há uns quinhentos anos, quando da invasão portuguesa nessas terras. Sim, foi invasão, os indígenas já estavam aqui, portanto, já havia gente. Os portugueses chegaram, dizimaram, catequizaram e se apossaram.
Mas, para tanto, os lusitanos precisaram de mão de obra, já que os indígenas não estavam dispostos a adotar o regime capitalista, de trocar mercadoria por dinheiro, queriam mais era comer e beber do que estava na natureza, sem precisar desmatar, destruir, poluir pra depois industrializar e vender por um preço absurdo o que eles tiravam de graça e direto da fonte. Será que a gente precisa aprender com os indígenas sobre a forma de se viver nesse planeta sem precisar destruir para ter? É algo a se pensar e o Ailton Krenak está aí para quem quiser pensar sobre isso. Deixo o link de dois livros dele – bem fininhos – para quem quiser arejar as ideias sobre esse tema.
Então, voltemos à questão dos negros e negras. Os portugueses resolveram trazer a massa trabalhadora da África, onde a escravização, acredite, já era uma prática… Fico pensando como é que pode a pessoa achar que pode tratar a outra como bicho irracional e “domesticar” a criatura…
Voltemos. Pois trouxeram negros para cá, mas calma, não foi só isso de dizer: – Bora, entra nesse navio que você vai servir de mão de obra escrava em outro continente. Não, teve mais. Eles mataram as famílias – mulheres e filhos – para que nada mais os prendesse àquela terra onde nasceram e viveram, bem como separaram os parentes para não terem a chance de se comunicarem em seus dialetos e formarem motins aqui no Brasil. Pois foi assim, dessa forma nada amigável, que os negros começaram a sua história por aqui.
Daí, foram trezentos anos de escravidão, exploração, estupro – muito – e todo tipo de crueldade que a gente nem pode imaginar. E, quando finalmente a princesinha assinou a lei Áurea, simplesmente não havia nenhum plano de recolocação dessas pessoas no mercado de trabalho, muito menos um apoio emocional, Bolsa Família, escola, nada, nada. Essas pessoas ficaram “livres” sem ter para onde ir, o que comer e o que fazer.
Fizeram-se nas favelas, criaram as favelas, pois foram subindo os morros para terem onde construir suas casas e, como se pode inferir, foram pegando os empregos que dava para poderem sobreviver. Nossa, Luciana, mas isso já faz tanto tempo, será possível que esse povo não conseguiu subir na vida? É muito mi, mi, mi… Pois eu digo que é impossível subir na vida num regime político e social no qual a educação e a instrução é a condição para que você progrida. Ora, se os negros não tiveram acesso às escolas, ou, se tiveram, foram escolas de má qualidade, como é possível mudar a realidade social?
Resultado, os negros realmente ocupam os cargos “mais inferiorizados”. Isso quando conseguem empregos com carteira assinada e os direitos garantidos. A realidade vem mudando, sabemos, os negros, depois do Sistema de Cotas, ocupam mais de 50% das vagas nas universidades públicas e se tem notícia de justiça social mais bonita do que essa, eu ainda desconheço.
Mas nós, que não fazemos parte da grande massa injustiçada, que estudamos em excelentes escolas, fizemos cursos de inglês, francês, MBA não sei aonde, etc, etc, como a gente consegue saber de tudo isso e ter um pensamento mais empático para com quem não teve as regalias que tivemos? Respondo: lendo, questionando, vasculhando, dando um google e deixando esse incômodo que o conhecimento traz transformar a gente. Deixando doer, deixando bater uma certa culpa de não fazer nada pra melhorar a vida de alguém, mesmo que não seja nossa culpa, mas também a culpa não era delas e, no entanto, olha o perrengue que passam.
Dói, encarar a realidade de um país desigual como o Brasil, dói muito, mas só dói em quem se deixa atravessar pela realidade e, acredite, apesar de doloroso, é o único caminho possível, que é o caminho do sensível, da compaixão . O único caminho para fazer com que nossas diferenças não sejam tantas a ponto de não nos reconhecermos como semelhantes e terminarmos por nos matar.