Reencanto

reencanto

“O contrário da vida não é a morte. O contrário da vida é o desencanto”.

Acabo de ler essa sentença (de vida) do Luiz Antônio Simas e em segundos pude avançar quase dez anos de terapia.

Durante os dois anos cruéis de pandemia concluo, por Simas, que eu fui morrendo em vida, melhor dizendo, que eu fui me desencantando da vida. O que não deixa de ser um sinônimo da morte.

Aquela tentativa desesperada de tentar sobreviver ao fim do mundo e tentar salvar meus pais a todo custo daquele maldito vírus, ao passo que eu via gente duvidando da gravidade da doença, desafiando e debochando da ciência e constatar que quem capitaneava o chancelava toda essa irresponsabilidade era o presidente da república… Tudo isso foi me adoecendo.

Melhor dizendo, e agora eu tenho muita clareza, tudo isso foi me desencantando e eu, de alguma forma, fui até emudecendo, coisa que, pra mim, é difícil. Se eu não estou falando, eu estou escrevendo, ou refletindo… Mas o desencanto foi me deixando apática diante da vida.

No final de 2020 eu tive uma crise de sei lá o que (se pânico, se depressão, se ansiedade), um horror! Disso me vale até hoje o remédio que tomo todo santo dia. “Foi depressão o que você teve”, sentenciou recentemente o médico que me acompanhou nesse momento tão ruim.

Somente agora eu venho me dando conta do reencanto. Somente agora ando vendo que meu olhar pro mundo voltou a olhar com a alma junto e a se encantar com o ordinário que sempre me fascinou. Percebo que estou fazendo o caminho de volta; o contrário do desencanto: a volta à vida.

O reencanto se dando nas pequenas coisas: numa multidão no show do Chico Buarque, uma praia lotada, o ir e vir nas calçadas de pessoas que pensam na vida e não mais em manterem um distanciamento, que, sinceramente, não tem nada de social, é totalmente antissocial esse distanciamento o ó. Uma sala de aula, uma professora que a gente vê ao vivo e não em pixels. Uma sala de cinema, o teatro cheio de gente aplaudindo. Uma mesa com as minhas amigas e a gente trocando perdigotos de tanto falar e falar da vida.

Sob o olhar desse saudável 2023 tudo parece até banal, mas, para mim, que vivi o desencanto, essa experiência de quase morte, cada pedacinho desses é, para mim, uma enxurrada de vida que me invade.

Tem sido uma delícia a retomada. Vim até morar no Rio de Janeiro, coisa que tinha vindo fazer em 2020, mas tive que voltar às pressas para Fortaleza a fim de passar o fim do mundo com meus pais para tentar salvá-los. Salvei-os!

Agora, dentro da sala de aula, na praia lotada, na minha cafeteria preferida com meu brownie desejo u ando saboreando detalhes dessa vida que me escorreu pelos dedos nos últimos anos, mas que, com encanto, ando cuidando de voltar a viver.

E você?

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