Salvador: os lugares não nos devem nada

salvador grande

A gente tem a mania de achar que os lugares nos devem algo.

A gente chega numa nova cidade e já começa o checklist: se é bonita, ou se é feia; se fede; se é velha, ou se é nova, se tem ou não o que fazer; se as pessoas são simpáticas ou chatas e por aí a gente vai, a partir de nosso parco conhecimento de mundo, nossas convicções e rigidez, vai carimbando disso ou daquilo tal lugar.

Pois bem, eu vim à Salvador à trabalho e confesso que, à primeira vista, eu me decepcionei com a cidade. Tinha estado aqui antes, 24 anos antes!, e, como era carnaval, tudo era um mar de gente e tapumes para proteger casas, lojas, igrejas desse mar de gente que, feito eu, passava oito horas seguidas num bloco de percorrer o circuito Campo Grande e o Barra – Ondina. Sem chance de perceber a cidade.

Já dessa vez, vim em dias normais e achei a cidade feia, mal cuidada, suja… Tudo fugia à minha fantasia de Pelourinho, de cores e ladeiras com gente descendo a subindo, mulheres negras e empoderadas com seus turbantes e homens de alma leve a circularem como quem anda dançando Axé. Cores e história emanando a energia da Bahia tão cantada pelos seus filhos que são uma explosão cultural nesse país. Confesso, eu me decepcionei.

Mas, aí começa a virada. Como todo julgamento prévio é burro e bobo, como toda tentativa de rotular qualquer coisa pode ser injusto, o meu primeiro dia em Salvador foi LINDO. Foi tão especial, tão mágico que certamente voltarei neste blog para falar sobre isso. Por ora, ainda não consegui elaborar o encontro que tive, mas tem um spoiler no meu Instagram, o @parissodeida.

Mesmo assim, ainda estava com a inquietação de ter achado a cidade estranha. Como se Salvador tivesse que sanar uma expectativa minha de cidade Axé-Bahia-Brasil, que vai lindamente de Caymmi até Sangalo. Mais, muito mais, vai desde nossa preservação da ancestralidade, pessoas que guardaram e repassaram a cultura, as tradições, a religiosidade dos negros escravizados e resistiram até hoje em ritmos, em cultos, em pessoas.

Calma, também não sou tão idiota assim. A minha impressão de estranheza não veio do nada. Ela foi bem abalada por uma notícia logo às sete e pouco da manhã de um assassinato de uma adolescente que ia para a escola com a mãe e a irmã. Morreu na calçada, baleada, de farda por uma mulher e sua comparsa que tentavam roubar seu celular. Um tiro no coração foi o que matou Cristal.

Mulheres que matam mulheres. Mulheres que matam crianças. Sim, eu sei que a maldade está no ser humano, mas a gente tenta se defender dos homens o tempo todo e quando mulheres matam mulheres, de alguma forma, me dói ainda mais, numa camada ainda mais profunda.

Sei também que isso é Brasil, poderia ser em qualquer cidade, infelizmente não é prerrogativa apenas de Salvador, mas aconteceu aqui e a gente amanhecer com uma notícia dessas nos dá uma descrença na humanidade e eu transferi pra Salvador um pouco disso.

Mas pela manhã, quando fui fazer uma caminhada meio com medo de estar no lugar errado na hora errada, mas fui. Deixei vento bater na cara, olhei pro mar, ativei serotonina e endorfina e, de repente, um lampejo, uma lufada na minha ignorância: Luciana, Salvador não te deve nada. Ela não existe pra te satisfazer, ela simplesmente existe e é você que, se quiser deixar desse sentimento estranho e meio down, é você quem vai ter de buscar encantar-se.

Ingênuo o pensamento, mas a gente não precisa ter ideias geniais toda hora, nem inventar a roda todo tempo, isso cansa.

Daí, busquei um lugar delicinha pra tomar um café da manhã e Jandielle – pessoa ótima – motorista do Uber, foi subindo ladeiras e me fazendo perceber a diferença entre essa arquitetura urbana da minha cidade plana e em xadrez que é Fortaleza. Casinhas antigas me levavam pra outro lugar até que cheguei num café super charmoso, o @casacastanho e aí eu já tinha me entendido com Salvador e pedido desculpas internas.

É claro que há críticas, muitas. Estamos num país no qual os desvios causam danos severos à população, principalmente a mais pobre. É claro que a população de Salvador merece uma cidade sem cheiro ruim pelas ruas, merece morar em lugares bem diferentes das favelas espalhadas pela cidade, isso é inegável.

Mas eu, eu que estou aqui de passagem, eu vou optar por deixar minha crítica no parágrafo acima e vou dar as mãos a Salvador e me energizar de toda a magia que essa cidade tem. Depois de uma ida ao Pelourinho e de ter passado horas na fundação Casa de Jorge Amado e ter sido tão bem acolhida. Depois de ter passado por igrejas lindas eu já não vou mais nem olhar pro que me inquietou quando cheguei.

Sei que essa opção por tapar os olhos para o que precisa ser protestado é uma ignorância, mas julgar o todo pela parte e não reconhecer a beleza que há aqui também o é.

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