Por incrível que pareça, chegou a hora. Quatro anos de pesadelo, agravado pela pandemia – esse pesadelo sem fim – e, ainda custo a crer, só faltam 4 dias para o fim do fim do mundo.
Para muitos eu sei que o pesadelo parece começar agora, mas a sensação que me dá é a de que essas pessoas foram enfeitiçadas e que isso também vai passar delas, vai sair na urina, vai sair pelos poros, vai desencostar no próximo banho de mar que ela pular sete ondas. Vai passar.
As pessoas que male, male, conseguiram chegar até o outro lado dessa tormenta, dessa travessia sujeita a tsunamis, trovões, raios, tempestades de granizo e tudo o de pior que a natureza enfurecida pode nos oferecer – até porque a natureza está enfurecida com a “boiada” que passou por cima da Amazônia durante esses quatro anos – pois as pessoas que conseguiram chegar até aqui e não endoidaram, essas pessoas, a meu ver, carregam o bastião de um lampejo de lucidez em meio a tudo o que se viu e ouviu nesses tempos.
Faço um retrospecto e não sei se começo de frente pra trás ou vice-versa, mas tanto faz porque a desgraça foi do primeiro dia ao último, pior, começou antes, em 2016, quando “em nome do Brilhante Ustra” ele votou pelo impeachment da Dilma Russef. Sim, dos maiores torturadores da ditadura militar é o ídolo do inominável.
Ali, naquele dia, que não me saiu mais da mente, eu vi a história ser deturpada de uma forma, e eu, tola, jamais pensei que isso seria uma onda esta se transformaria em bandeira para muita gente.
Lembro-me de quando estudei a Ditadura Militar para escrever minha monografia de graduação. Vinte e pouquíssimos anos foi quando eu fiquei estarrecida com tudo aquilo. Eu tinha uma ideia, claro, mas mergulhar no assunto me fez dimensionar o que era não poder falar, não poder escolher, não poder cantar, não poder assistir, ler…
Censura. Eu, que tenho com a minha liberdade quase que um pacto, que não tolero quem me segure, ou que impeça meus direitos: seja de ir e vir, ou de escolher o que eu quero vestir, falar, fazer… Eu sentia muita pena daquelas pessoas, me dava certo pavor, mas me tranquilizava pensar que “já passou”, nunca mais voltaremos aquilo.
Aí vem o cara. Desfilando tanques, estimulando armas, ameaçando a constituição, o congresso, o STF. Vem a crítica à cultura, à arte. O descaso com a educação e o pensamento retrógrado e falacioso acerca do currículo escolar. A cada nova declaração eu sentia mais medo e, sem nem a gente perceber, quando vi, estava silenciando, estava com medo de falar contra, medo dele e dos bolsominions. Medo de ser agredida, medo de arranharem meu carro, medo de um novo golpe.
A desgraça já era ruim quando veio a pandemia. Aí, se o cara já era cruel, ali ele mostrou o quão baixo ele pode ir. Desde dizer que era uma gripezinha a chamar os brasileiros de “maricas”, com o intuito de debochar de quem estava se protegendo da doença, ao mesmo tempo em que era homofóbico, a romper com os governadores e culpá-los em vez de apoiá-los, a dizer que não era coveiro, a debochar das pessoas com falta de ar, a promover aglomerações, a sair de casa doente de Covid e apertar a mão de um gari na rua, a não comprar a vacina, a ser contra vacinação e a fazer campanha contra a vacina. A lista é sem fim.
Fora ele ter dito que preferia ter um filho morto a um filho gay e que o nascimento da filha mais nova tinha sido uma “escorregada”. Pobre garotinha ser filha de um pai desses. Homofóbico e Misógino. Sem contar os casos de corrupção: Queiroz, orçamento secreto, imóveis da família, Covaxin, o caso dos pastores… Sem falar do porteiro do condomínio e da amizade com os assassinos da Marielle Franco e com o afastamento do policial no dia seguinte ao ter dito que daria uma declaração importante acerca do assassinato dela.
Sem falar de como ele manipula o fieis se valendo do cargo de presidente da república para usar o nome de Deus fim de justificar seus preconceitos. O cara é vil.
Aí tem o Lula. E eu sei o tanto de contradições que vem no coração quando falamos de Lula. Foi preso; era culpado, não era; foi golpe, não foi; era dono do triplex, não era; era dono do sítio de Atibaia por causa dos pedalinhos com o nome dos netos (era isso, né?), não era; roubou a Petrobras, não foi ele; deixou a Odebrecht passar o rodo, não foi ele… Enfim, você pode ter um monte de questões sobre o Lula, mas nada se compara a máquina mortífera que é Jair Bolsonaro.
Ele mata tudo o que pulsa a vida. Ele mata a literatura , a arte, a cultura, a música. Ele mata a liberdade de ser quem se é, ele mata a diversidade, ele mata a felicidade das pessoas. Ele dissemina ódio, ele só fala em matar, ele só faz ameaças. Ele mata. Ele mata. Ele mata.
Então, o voto útil ou por convicção no Lula neste momento é um voto de lucidez. É um voto para tentar fazer escapar a pulsão de vida. É um voto pra podermos voltar a sorrir minimamente, é um voto pra parar de ter medo, é um voto de liberdade até pra poder falar mal do Lula, mas falar mal sem medo. É pelo fim dessa censura velada, pelo fim dessa exclusão de tanta gente, é por poder ser contra, do contra, é por poder rezar na religião que se quer, é por podermos discutir, discordar, mas que isso nos leve em frente e não nos faça retroceder séculos.
Ainda que as questões políticas, culturais, ideológicas possam não te levar ao Lula, agora é hora de buscarmos o que restou da democracia e do Estado democrático de direito e salvar a nossa tão castigada constituição.
Acabar com esse pesadelo no primeiro turno seria um alívio. Poderíamos seguir com nossas vidas mais em paz até o final do ano. Paz com cuidado, né, porque muitos minions com armas e há chances de saírem por aí descarregando seu ódio. Eu mesma ficarei dentro de casa no dia da apuração.
Quanto ao Lula, depois a gente cobra dele o que deve ser feito. E, se não for bom, a gente fala nas eleições de 2026.
Mas neste domingo, o que eu lhe desejo, de coração, é lucidez.