2021: de volta ao que perdemos em nós

Hoje, último domingo de 2020, eu dei uma de Luciana. Sim, dei uma de mim mesma, mas que eu havia perdido e até me esquecido de mim neste ano.

Esse ano nos exigiu tanta mudança de comportamento, por tanto tempo que, de alguma forma, a gente desaprendeu os nossos costumes, nos esquecemos dos nossos hábitos, de como nosso corpo funcionava em outra rotina. Nos confinamos, nos tolhemos e uma parte de nós ficou ali sufocada.

Pois bem, eu, que terminei o ano morando em outro apartamento, em outro bairro, dentro da minha própria cidade – coisa que nunca pensei, mas eu nunca pensei tanta coisa que aconteceu em 2020 que pouca coisa me surpreende até dia 31/12 deste ano – pois hoje, eu resolvi sair andando pelo bairro.

Eu moro perto do Parque do Cocó, pra quem é de Fortaleza sabe demais que parque é esse e, pra quem não é, ele é o maior parque natural em área urbana do N, Ne do Brasil. Acabei de ver no Google :). Eu acho que a última vez que eu andei pelo parque do Cocó foi quando criança, pois mal lembro de ter ido.

Saí de casa pela rua e, à medida que avançava em direção ao parque, era como se eu fosse me lembrando de mim, ganhando de novo certa autonomia, me lembrando do que eu costumava fazer pra me divertir, me distrair. Sorria debaixo da máscara com essa sensação tão boa quanto inusitada de se reconhecer em si mesma, como se eu me apresentasse novamente a mim: prazer, Luciana, há quanto tempo não nos cruzávamos!

Sempre gostei de andar. Andar me dá a sensação de que eu estou narrando a minha jornada, protagonizando minha história. Cronista que sou, andar sempre me rendeu ótimos enredos, observar as ruas, vielas, imaginar o que acontece por ali, quem mora ali, reparar nas pessoas, catar uma conversa de relance daqui, outra dali e juntar tudo numa crônica só, em uma poesia. Amo!

Fora isso, pra você não achar que eu sou uma fofoqueira cigana, adoro olhar as cores, os formatos, sentir os cheiros. Tem uma rua em São Paulo, na Vila Madalena, onde tem uma casinha azul que toda vez que passo lá eu me sinto em casa. Vai entender. Caminhar por ruas de outros países… No Rio, lugar onde mal ando de carro, bater perna pelos bairros com prédios baixos, sem muro faz com que eu me sinta conectada com pessoas. Acho que é esse o fascínio de andar a pé, é corpo com corpo.

O cheiro de hoje, do parque do Cocó, cheiro de mata fechada molhada da chuva, ave!, bálsamo, tinha o mesmo cheiro da nossa casa da serra de Maranguape, onde passei a infância. Bananeiras, Bouganvilles, Papoulas e tantas outras espécies que, não sei explicar, mas são como pistas de João e Maria de volta pra casa, de volta pra mim.

Não sei se é a esperança deste final de ano, de que finalmente vamos sair daqui, não sei se é o cansaço que 2020 trouxe em diversos aspectos e uma obrigatoriedade de aprender a lidar com o inimaginável – ontem me peguei em papos filosóficos com meu sobrinho de quatro anos – não sei se foi uma conversa por telefone com uma tia querida que está morando na praia, pra onde eu vou assim que a vacina me picar e isso me fez lembrar que fora dessas paredes de isolamento, por trás dessas máscaras e por baixo dessa camada de álcool em gel ainda vibra uma pele, um coração lateja de fome de mundo, de gente e de futuro.

Não sei o que foi, só sei que hoje saí pelas ruas e acabei esbarrando comigo mesma. Numa esquina qualquer, cheguei perto – sem medo – me reconheci, mesmo com máscara, sorrimos pro mundo, eu e ela, ops!, eu e eu, e voltamos pra casa certas de que estamos pra lá de sofridas, chamuscadas, certas de que o vírus nos tirou muito do que seríamos em 2020, mas prenhes de esperança e vontade de vida e de 2021.

Que ano que vem a gente possa se esbarrar com todo mundo, mas principalmente com o que perdemos de nós mesmxs. 

Vem na gente CoronaVac, Pfizer, Astrazeneca, seja lá quem for, pode vir, não vamos nem chorar.

Feliz ano novo, minha gente! Se for um pouquinho melhor do que esse já vai ser muito. Mas será bem melhor, tenho fé.

Vai ser lindo!

Vem 2021.

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