Crônica escrita em dez de Janeiro de 2023, dois dias após ao episódio do 8 de janeiro, pós-eleição do presidente Lula.
Guy Debord foi um escritor e filósofo francês nascido na primeira metade do século XX e morto em 1994, ou seja, antes do Instagram, do Facebook e dez anos antes do finado Orkut. Digo isso porque só reforça o que venho expor com esse texto aqui.
A principal obra de Debord chama-se “A sociedade do espetáculo”, na qual ele faz um alerta para o quanto as imagens viraram mercadorias e que o capitalismo se aproveita disso para vender e alimentar a si próprio, claro, o que é o seu objetivo maior, não duvidemos disso (pausa: o capitalismo se alimenta enquanto nos escraviza. Rachel na crônica “Felicidade” que lemos). Trabalha-se para gerar desejos nas pessoas e esses desejos só são saciados com o dinheiro, portanto, passa-se a maior parte da vida trabalhando para conseguir comprar produtos que foram incutidos em nossa mente como desejo e esse ciclo se retroalimenta numa espiral e junto com ele advém a desigualdade social e a violência, mas isso é tema para outro artigo (pausa: percebam que um assunto leva a outro, essa crônica nos leva ao que lemos em Gregório Divivier e Antônio Prata, mas é preciso não perder o fio da meada).
Desde domingo, quando aquela barbárie toda em Brasília passava na tela do meu celular e na TV, num remake atualizado da obra de Saramago “Ensaio sobre a cegueira”(pausa: vocês já leram, viram o filme ou ouviram falar, né?), na qual as pessoas perdem a visão e vão perdendo a sanidade, a noção de sociedade e o temor às leis, gerando um descontrole e uma autodestruição angustiantes. Pois desde domingo Debord não sai da minha cabeça – e, agora, acabou de entrar Saramago, porque a arte imita a vida e, pelo visto, a vida anda suplantando a capacidade imaginativa da arte.
Trazendo Debord para os dias atuais, a coisa funciona mais ou menos assim: as pessoas batem fotos de tudo, fazem selfies e mais selfies, fotografam enterros, finais de namoros, se fotografam saindo do banho enroladas na toalha, se fotografam após fazerem sexo e, num delírio absolutamente bizarro e difícil de entender, elas se fotografam cometendo crimes e geram provas contra elas mesmas.
Gente!!! (vejam que a crônica pode dialogar com o leitor em algum momento, já que estamos tete-a-tete semanalmente) Uma pausa para esta constatação. Vou até repetir: as pessoas precisam tanto se exibir que elas se filmam cometendo crimes! Que loucura! O que antes era feito na surdina, coisa pra ninguém descobrir, agora é “espetacularizado” e até o rapaz depredando com bumbum de fora e enrolado na bandeira do Brasil vira vídeo para divertir as redes sociais. Que sociedade é essa, meu irmão? (pausa: pessoas se filmam cometendo abusos… é o absurdo dentro do absurdo, o desumano dentro da desumanidade).
Se Debord estivesse vivo…. fico imaginando seu deleite vendo a sua tese ganhar proporções inimaginadas dentro de uma sociedade minimamente sã. Os “hamsters” dos experimentos psicológicos (pausa: os ratinhos dos testes psicológicos), agora ganham formas humanas e não fazem a menor questão de se esconderem, ou seja, a pesquisa é empírica, a céu aberto e multiplicada em Twitter (agora é X, e anda numa confusão, mas parece que se ajeitou), Instagram, Facebook, Tik Tok e todo o tipo de tela que a gente puder imaginar.
Lembro da minha sensação de perplexidade em 2001, quando dos atentados terroristas do 11 de setembro, eu ficava pensando que a vida tinha suplantado a arte e que nenhum filme ainda tinha sido capaz de imaginar aquele episódio. NÃO LER – (Aquilo me assustava demais. Não sou uma pessoa careta, mas as leis dos homens eu obedeço todas – às vezes levo multa por dirigir falando ao celular -, mas procuro seguir as regras. Então, quando a civilidade se descontrola nesse nível autodestrutivo, me dá um desespero.)
VOLTAR A LER – Pois nos últimos quatro anos, eu vi a vida dar de sola na arte e nas ciências: o ser humano jamais fora capaz de imaginar que em pleno século XXI, um vírus nos deixaria isolad@s, sem poder nem chegar perto uns dos outros; jamais seríamos capazes de imaginar – pelo menos eu – que, depois das barbaridades das ditaduras militares que assolaram alguns países, poderíamos ser ameaçad@s por novos tiranos que evocavam torturadores para justificar voto. E, só pra encurtar o texto, jamais pensei que pudesse ver pessoas vestidas com as cores do seu país invadindo os prédios dos poderes máximos da nação para… Sei lá qual era o objetivo, mas fato é que elas quebraram tudo. E, claro, fizeram um documentário da barbárie, o que, de certa forma, foi ótimo para facilitar a identificação dos criminosos (pausa: trouxe aqui temas mais antigos outro mais recente, mas ambos dialogam. O de lá influencia o daqui).
Mas, deixando a poeira baixar dentro de mim (pausa: digo, pós o que vi dia 8), NÃO LER – (porque quando a gente vê um negócio desses, a gente quer ver todo mundo preso, levando cacetete, humilhado e enjaulado. Enfim, deixando a poeira baixar, fiquei) VOLTAR A LER – fiquei me questionando sobre o que se passa na cabeça de alguém que se filma cometendo um crime desse quilate e não pensa nas consequências. Será que acharam que por serem brancos e ricos não teriam consequências? Será que o Brasil nos ensinou que a polícia só confunde um pedaço de pau com fuzil quando a pessoa é preta e pobre? (pausa: lemos isso em Clarice, Mineirinho, em Gregório e Prata)
Penso que sim, e torço para que essa espetacularização insana sirva para nos devolver alguma sanidade e que as forças democráticas, mesmo solapadas, continuem resistindo à tirania e à barbárie; que as cenas dos próximos capítulos dessa “macro série” bizarra que estamos vendo sejam de punição, justiça e apaziguamento e, por fim, que as redes sociais sejam devolvidas aos “influencers” porque, se já era esquisito a gente idolatrar a dieta da Gabriela Publiesi, mais estranho ainda é a gente ficar achando bom ver violência e ataque à democracia todo santo dia.
NÃO LER – Oremos em nome de Jesus! Sim, porque tudo é feito em nome de Deus – e da pátria e da família pelos cidadãos de bem, – não é mesmo?
VOLTAR A LER – VIVER É POLÍTICO. Alguém que escreve crônica, sobretudo neste momento acalorado em que vivemos, tem dificuldade em não ser chamado a escrever sobre a política. Para mim, que tenho a literatura como forma de construção de um pensamento crítico, não me isento de falar. E, claro, estou sujeita à críticas, mas isso que é bom, a geração do debate.