Adultos histéricos, crianças neuróticas

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Crianças, a culpa é toda nossa!

É sábado, seis e meia da tarde no Rio de Janeiro – mas podia ser em qualquer lugar do Brasil, acho – eu tentava ler um livro delícia da Ana Maria Machado (Aos quatro ventos).

Tudo bem que uma pessoa jovem – eu me sinto, ok? -, recém separada, sábado à tarde não deveria estar lendo, por mais que o livro fosse delícia. Devia era de estar num bar tomando uma cerveja e arrumando um paquera pra mais tarde, né?
É… Se depender de mim, no futuro, vou me casar é com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado… Vou ser amiga da Raquel de Queiroz, da Zélia Gattai… Até que não seria uma má idéia, né?
Mas voltemos à minha difícil realidade e a esta reflexão a que me propus sobre os adultos e suas crias, já que ler ficou impossível. Digo já o por quê.
Está rolando uma festa infantil a uns quatorze andares debaixo de mim e simplesmente o que eu estou ouvindo é um ataque de histeria, só que dos adultos.
“Um, dois, três, indiozinhos, quatro, cinco, seis indiozinhos…”
O problema é que essa já é a décima oitava canção que um grupo de adultas loucas berra para as crianças berrarem ainda mais alto numa imitação de euforia com felicidade que mais me parece uma fuga, um não querer pensar, ou, simplesmente, não deixar a criança descobrir o que de fato ela quer fazer pra se divertir.
“O sapo não lava  pé, não lava porque não quer…”
Ouço muitos pais comentarem que quando as crianças entram de férias é um tomento, pois têm de arrumar mil programações para fazer, se não, os pestinhas ficam entediados e encapetados.
Gente! O que foi que mudou de uma geração pra cá?
Quer dizer, então, que a criança se entedia por ter tempo livre pra brincar com o que ela quiser? Sim, sei que isso é possível, nós adultos também nos entediamos nas férias, só que a criança, com sua leveza e ausência de neuroses, daqui a pouco se entretém. É só dar as armas: um amigo, um espaço bacana, alguns brinquedos, uma bola e deixar ela correr solta, deixa ela escolher.
Certa vez li de um especialista em psicologia infantil que as crianças não têm mais tempo para o ócio. São tantas as atividades além da escola, tanta oferta, tanta tentativa de mantê-la entretida e ocupada o tempo todo, que isso tem tirado dos bambinos a capacidade de criar, de pensar por eles mesmos. Gente! Isso é grave.
“Meu pintinho amareliiiinho, cabe aqui na minha mão, na minha mão…”
Vejo algumas festas infantis que parecem um circo de horrores. É um “animador” que deixa qualquer um a beira de um ataque de nervos, uma música alta pra não sobrar espaço pro vazio, pro oco e, muito menos, para uma conversa.  Vira e mexe vejo o aniversariante irritado e a mãe frustrada porque fez aquele arsenal e a cria ainda reclama.
Em minhas observações antropológicas sobre festas dos bambinos, já concluí que as mais simples são as mais felizes. Um futebol de sabão, um piquenique no gramado, umas pipocas e crepes, os adultos conversando e a molecada correndo solta, a meu ver, é a fórmula do sucesso.
Acho que precisamos nos acalmar para que nossas crianças tenham paz. Temos que aplacar nossa ansiedade gerada pelo estresse, gerada pela felicidade que nunca está perto, gerada por um mundo ideal que criamos de beleza e luxo que nunca vai ser nosso, gerada pelas redes sociais, pela crise, pelo Golpe, pela Dilma, pelo botox, ou pela falta dele e pelo raio que nos parta.
A culpa é nossa, é toda nossa e ainda há quem diga que o Pedrinho de Fulana é má companhia porque grita muito, a Juju da Sicrana não é boa amiga pra minha filha porque só dá valor ao dinheiro. O Juninho? Trago não pra minha casa, ele num para quieto.
Juninho, Pedrinho e Julinha, desculpa aí, viu?
Bandeira branca! Vamos tirar de nós essa culpa que carregamos e que nos faz acreditar que as crianças serão infelizes se não oferecermos a todo momento um estímulo pra ela ficar gargalhando desde o berço.
Deixemos nossos rebentos buscarem seus gostos, assim como um rio, seguirem seu curso, seus caminhos. Alguns vão preferir jogar bola, outros deitar no chão e falar sozinhos. Com sorte, alguns deles vão pegar um livro pra ler, vão desenhar, vão chorar também, reclamar, mas, principalmente, vão aprender a lidar com o desconhecido dentro de cada um, com o que nos falta, com sentimentos que só brotam no silêncio de cada um.
Acredito eu que crescerão mais serenos, adultos mais conhecedores de si mesmos e, o que é melhor, se a gente não impuser tudo, certamente nos surpreenderemos com o que virá de dentro desse ser que é tão rico só por ser, apenas.
Para encerrar, já que o tema é música pra crianças, vou com uma das que eu mais amo. Minha mãe foi impecável na seleção de ninar a mim e a meu irmão. Valeu, mãe! Era de Toquinho à Betânia, com Chico Buarque, Taiguara.. Tudo à capela naquela voz doce e linda que ela tem.

 
 
 

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