Carta aberta a Jair Bolsonaro

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Carta aberta a Jair Bolsonaro

Bolsonaro,

Vou te chamar pelo sobrenome, até com uma certa intimidade que não me cabe, mas, a essa altura do seu governo, entrando no segundo ano, acho que deveria ser assim que eu poderia estar me sentindo: próxima. Próxima de alguém que não foi eleito por mim, mas que, mesmo assim, é meu presidente, pois ainda bem, ainda estamos sob a égide de uma democracia. 

Na verdade, eu sempre achei que seria estranha a minha história com o seu mandato. Não comungo da sua opinião desde o dia em que você exaltou o Brilhante Ustra na votação de impeachment da Dilma. Aliás, só ali tomei conhecimento de você e, confesso, tive a pior impressão possível.

Naquela altura, Bolsonaro, eu achei que o tema “Ditadura Militar” já fosse ponto pacífico, que todo mundo já tinha entendido o que havia acontecido e achado aquilo um enorme crime contra a nossa nação. Quanta ingenuidade a minha, não é mesmo? Depois dali, eu comecei a experimentar um pensamento dos brasileiros que até hoje me cai o queixo. 

Sabe aquelas pessoas que negam o Holocausto, que acreditam em terra plana? Sabe essa gente? Pois bem, como elas existem e se espalham feito Coronavírus! Mas não quero falar da Covid agora, já já eu falo dela, até porque é por causa dela que eu estou aqui. 

Dali do Ustra, você cresceu, se agigantou, não foi a nenhum debate, levou uma facada e ainda se elegeu. Talvez tenha sido por isso que você se elegeu, mas já são águas passadas. No dia de sua posse, em mim pairava um desânimo. Na verdade, Jair, eu sempre tive medo de você eu eu ainda tenho, mas eu não queria ter. 

Naquele dia primeiro de Janeiro de 2019, daquele ano tão pesado que ele todo parecia estar se preparando para dar nome a uma das maiores pandemias da humanidade, naquele primeiro de janeiro eu tive medo. Em minha cabeça, passava a sua fala com relação às mulheres, aos negros e aos gays. Me vinha a sua voz falando que preferia um filho morto a um filho gay, ouvia você falar que a sua filha tinha sido uma “escorregada” e falar que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque era feia. E, toda hora, me vinha você no programa Roda Viva dizendo que não tinha nada a ver com o problema dos negros, já que você mesmo não havia escravizado ninguém. Eu também não, eu não escravizei ninguém, mas não paro de achar que o problema deles é meu também. Mesmo assim, naquele dia primeiro de 2019, eu cheguei a dizer para um eleitor fanático seu, desses que te chamam de “Mito” que tudo o que eu queria era estar redondamente enganada e que, dali a quatro anos, eu queria apertar o 17.

Confesso que falar isso me doeu, pois nem eu mesma acreditei em mim, mas se tem uma coisa que eu tenho, Jair, é esperança, então, porque não tentar depositar uma dose em você? Ora por quê? 

Dali, daquele dia primeiro, até hoje, Jair, você não tem dado muito sossego. A convocação do Moro para ministro da Justiça, uma declaração sua dizendo que havia saído na rua e não tinha visto miséria, logo, não havia miséria no Brasil, a história do Queiroz,  aliás, a não história, né?, porque ninguém sabe, ninguém viu, bem como aquela conversa truncada do porteiro que se equivocou. O seu ataque à imprensa, o destrato com os repórteres, aquele discuso na ONU de apenas cinco minutos e a motosserra rolando solta na Amazônia. Dos índios, não preciso nem falar, né? Certamente você não é muito afeito a eles. A Damares tentando enquadrar o mundo em rosa para meninas e azul para os meninos. Você chamando a mulher do Macron de feia. O Weintraub mais preocupado em imitar o cebolinha para os chineses… Ele deve estar no jardim 2 ainda, tadinho, tenho essa “impreção”. O corte na educação, nas bolsas de estudo e o corte nas bolsas das Humanidades, cursos esses que, pela baixa concorrência em relação às exatas e à saúde, terminam por ser porta de entrada para os negros nas faculdades, os pobres que vêm de uma educação precária e, mesmo assim alguns ainda chegam lá. 

Não, não vamos falar de meritocracia agora e nem dessa política neoliberal que é pra gente não brigar sem eu chegar até o fim.

Pois sim.  

Passado este primeiro ano, eu exausta porque, olhe, você me entende, né? Talvez não, mas foi cansativo, pois depois desse 2019 lá sem vem 2020 com a desgraça dessa Pandemia. Que susto, presidente, que pavor. De uma hora pra outra ninguém podia mais nem ir pra manifestações, fosse contra ou a favor do senhor. Mas o senhor foi, convocou geral e a galera deve ter se contaminado toda de verde e amarelo, algumas devem estar até hospitalizadas, se já não morreram. Deve dar uma culpa… Entendo. Não? Você não sente culpa? 

Então, mesmo assim, tenho me esforçado e, em meio a tudo isso aí, “talkay”, eis que desponta um ministro seu que pareceu vir prenhe de sensatez. Sim, estou aplaudindo a sua escolha, estou do seu lado dessa vez. O Mandetta. Mandetta é um alento. Ele que vem pedir pra gente ficar em casa porque, como médico, sabe que a Cloroquina não funciona em todos os casos dessa doença severa que não é um resfriadinho, né, presidente? O Mandetta que, mesmo ocupando agora o cargo mais difícil do Brasil, que era pra ser o seu, mas o senhor não tá muito a fim de trabalhar… Então, mas o Mandetta tá, super a fim de trabalhar porque médico não abandona o paciente, ao contrário do presidente… Pois ele, seu ministro, mesmo exausto, ainda consegue sorrir, ainda consegue falar de avô e avó, dos netinhos, fala do netinho dele… Isso é empatia, Presidente, e tudo o que a gente precisa nesse momento é de empatia. Alguém que se coloque no nosso lugar, esse lugar confinado, amuado, triste, ansioso, longe dos nossos, com medo de tudo, sem saber de nada, nem do que será. Esse lugar que não vê prazo, que franze a testa toda hora, que acorda e dorme com uma espada enfiada na cabeça. Pois o Mandetta se coloca nesse lugar.

Tudo o que eu queria agora, presidente, era que o senhor viesse todo santo dia falar na TV que o senhor tanto critica, que o senhor saísse detrás dessa cortina covarde que é a tela do seu celular via facebook que viesse nos acalmar, nos dizer que estava fazendo de tudo pra salvar vidas e, claro, cuidar da economia que é o que o seu outro ministro, o Guedes, tá lá fazendo. Pois olhe, também estou elogiando o Guedes, que é pra você não achar que tenho marcação.

Mas já que o senhor já mostrou que não vai ser essa pessoa, que não nasceu pra isso, que vai mesmo é dar declarações de quarta série ginasial todos os dias pra que os jornais do globo lhe apontem como um dos dois únicos presidentes que caíram no conceito da nação frente ao combate à Covid-19. Já que é assim, por favor, deixe o Mandetta ficar. Deixe o homem trabalhar e deixe o homem descansar em paz nas raras horas que ele tem.

Guarda a caneta, baixa essa arma – que é a minha arma também, a caneta, mas ela vem acompanhada da leitura e a leitura faz falta no uso correto da caneta – #ficaadica, #ficaemcasa.

Vou ficando por aqui, torcendo pra que o senhor ame de verdade essa “pátria amada Brasil”, que as vidas do Brasil estejam realmente acima de tudo e que Deus, esse que você diz – mesmo em um Estado laico – estar acima de todos, que ele seja bom e que ele possa realmente fazer um milagre em você.

                                                                                                                                                                                                                       Com esperança, 

                                                                                                                                                                                                                                     Luciana

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