Nelsinho

Carta aberta para Nelsinho

Quando tudo isso passar…

Meu pequeno,

Escrevo esta carta com os olhos marejados. Acabei de falar com você por uma chamada de vídeo onde tentamos interagir numa luta, onde tentei te contar uma história, onde brincamos de corrida – eu narradora e você piloto – onde fica esse lugar entre o seu quarto com planetas, naves e super-heróis e o meu quarto que sente muita saudade de você deitadinho do meu lado pra ver filminho antes de ir pra casa. Há um espaço imenso entre aqui e aí onde a gente tenta, de toda forma, não se perder nessa dor que se chama pandemia pelo coronavírus.

No final da conversa, quando te contei a historinha dos cachorros, você já estava cambaleando de sono, coçando os olhinhos e eu quis muito estar do seu lado só pra ter o prazer de te botar no colo, quentinho, pra você dormir. Ou deitar pra ver um filminho da Patrulha até seus olhos cederem porque a sua vontade mesmo é de nunca parar de brincar.

Eu faço as contas, você fará 4 anos esse mês, e eu fico me perguntando quanto você vai crescer nesse período imenso no qual não posso te botar num abraço pra dizer: eita, como tu tá pesado e grande. Às vezes temo por você crescer demais e não caber mais no meu colo. Mas aí eu me acalmo pensando que vai passar e ainda vai dar tempo.

Fico me lembrando da história dos dinossauros que você aprendeu a contar, que um “metéioio” caiu na terra e matou todos os dinossauros. É meio apocalíptico o que está nos acontecendo, meu amor, parece mesmo um meteoro dos “dinossaulos”. Logo que vim do Rio, as coisas aqui nem estavam tão feias, você veio me ver e eu estava de máscara “Você tá difelente”, você disse. Pois é, sua tia que você sempre diz que “é linda”, “tá linda” e que vai ser a princesa e você o príncipe, pois é, essa tia agora veste uma máscara horrorosa que me distancia de você. Você nem pode ver o meu sorriso que tá sempre aberto pra ti. Agora, meu lindo, tudo anda preocupando tanto que a titia mal sorri.

Vovó e vovô têm sofrido também. Do que adianta viver mais se não for pra ficar perto do neto? Preferem você pertinho. Mas eu os convenço de que vai já acabar, daqui a pouco tempo, espero, é bom que ela esteja ótima pra brincar com você. Cuido deles pra cuidar da gente, da nossa família, pra que a dor não seja maior do que essa que já é imensa.

Não podemos chegar perto e a tia Lu tenta fazer de tudo pra que você ainda goste, mesmo que de longe, de brincar comigo. Às vezes tenho até medo de essa pandemia levar embora o laço que construímos, porque nem brincar a gente pode mais. Da última vez, os brinquedos ficaram longe e eu precisava me afastar. Fico numa luta interna terrível entre a vontade de não gerar trauma em você e essa desgraça de distanciamento que precisamos manter das pessoas. Não está sendo fácil. Nem um pouco.

Dia desses a tia Bia perguntou qual vai ser a primeira coisa que vou querer fazer quando acabar a quarentena. Falei que vai ser te dar um abraço sem medo. Sem essa nuvem preta do contágio. Chego até a sentir você pertinho, igual naquele abraço que você me “roubou” e eu te abracei. Tem horas que não dá, o coração parece que grita.

Mas a tia Lu tem sido forte. Não agora que as lágrimas rolam sem parar enquanto escrevo, mas nas outras horas. Tô tentando cuidar do vovô e da vovó pra que eles estejam aqui e cheios de saúde pra te receber quando isso tudo passar. Pra que a gente possa encher a sala com todas as almofadas e fazer cabana, corrida de moto, brincar de que você é o único dinossauro sobrevivente e que vai me assustar na praia quando eu for com a minha mamãe, brincar de apostar corrida, você largando em primeiro e sempre ganhando, ou me deixando empatar contigo só pra me agradar. Na hora do lanche, eu te prometo que vou me sentar no meu lugar de sempre, que você andou me pedindo e eu não pude, naquele lugar do seu ladinho de onde eu assisto filminho, te vejo comer, cantar comendo enquanto eu faço carinho na sua cabeça e aperto suas bochechas de leve pra você não reclamar. Sim, a tia vai estar mais desastrada do que nunca pela falta de prática, então, desculpe pelo arroz que vou derramar em você. Não tem problema cair no chão, né?, fica pra dona formiga e pra dona baratinha, a gente já sabe.

Eu te escrevo essa carta que é pra que a gente nunca se esqueça. Lembranças ruins também precisam de registro, meu lindo, pra que a gente possa voltar a elas e aprender. Quando a gente esquece as coisas ruins, elas tendem a voltar com muita força, mas isso eu te explico depois, você mais velho.

Você nem vai se lembrar, mas talvez fique marcado em algum lugar essa ausência temporária das pessoas que você tanto ama. Seus avós, suas tias e tios, seus priminhos, amiguinhos do colégio.Talvez fique escondida essa frase no seu inconsciente “tem que ficar longe” e talvez hoje você possa estar confundindo essa condição com falta de amor. Por isso que também escrevo, para que você tenha certeza, pra sempre, de que não. Na verdade, essa é a nova forma de amar, por enquanto.

Mas você pode ter certeza, meu amor, que eu farei de tudo pra que essa maldita sentença que nos acomete se apague completamente da sua lembrança. Farei o que eu puder para estar perto, do lado, dando apoio, cuidando, brincando, torcendo, levantando e amando você até o fim.

Ainda é só o começo, só tem quatro anos (quase) que você está aqui. Teremos tempo. E mesmo que você cresça bem muito, meu colo vai sempre aumentar de tamanho pra te caber. Estou inclusive fazendo academia em casa pra fortalecer essa lombar pra aguentar seu crescimento. Nada irá me deter.

Ah! E mais uma coisa:
– Nelsinho, eu já falei que eu te amo hoje?
– Não, você não falou.
– Nelsinho, EU TE AMO.

Você também pode gostar

Deixe aqui o seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.