Carta de uma velha mãe

Querida filha,
Como você já bem observou, eu estou ficando velha. É… Infelizmente o tempo foi passando, passando muito mais rápido do que eu pude perceber, passando de um jeito que me escorreu pelas mãos e, quando eu dei por mim, já estava aqui onde estou: velha.
Como você pode vivenciar, muitas vezes com pouca paciência, filha, eu já não tenho mais a vivacidade e a pulsação da juventude, principalmente, a da sua juventude. A idade já me está bem avançada, minha flor. Não pense que estou aqui por que quero, por mim, voltava lá pelos meus lindos trinta anos que, vendo você viver os seus, julgo que aproveitei muito mais.
Mas são águas passadas, são apenas lembranças, as mais lindas, mas lembranças de uma vida que ainda está aqui. Carrego comigo tudo o que já fui e ainda tenho um tempinho pra ser o que eu eu bem entender.
Por isso, minha filha, entenda: eu estou ficando velha, mas não estou ficando boba.
Sei que, por vezes, posso parecer distraída, desmemoriada, falando uma besteirinha aqui, trocando o nome do seu marido pelo do seu ex que eu adorava (muito mais do que essa escolha infeliz que você fez) ali. Sei que meus passos já não são tão ágeis, que meus assuntos podem parecer meio monótonos diante de tanta coisa que você passa o dia inteiro vendo nessa sua telinha de computador, mas eu ainda estou aqui, vivinha da Silva para perceber o seu jeito de me perceber.
Por isso lhe peço, filha minha, não me trate assim, não me aborde como a uma criança que ainda carece de vivência e de vocabulário para conseguir assimilar o que se diz. Acredite, tenho muito mais condições de avaliar as situações do que você, pois habito neste mundo louco há pelo menos o dobro de tempo que a senhorita.
Não fale de mim para outras pessoas, quando eu estiver presente, pensando que eu não estou ouvindo, minha audição pode estar falha, mas meu radar não e eu percebo tudo. Não faça piadinhas sobre minhas fragilidades e nem me diminua por eu não saber nada sobre essa nova tecnologia, por eu não saber a diferença entre e-mail, facebook e “átizapi” e, muito menos, acreditar que essas coisas moram nas nuvens…
Nas nuvens quem me levava era seu pai, meu amor, mas não posso entrar em detalhes. Isso é censurado para filhos, independente de suas idades.
É claro que uma dose de humor vale, e como vale! Nessa vida eu aprendi que o que mais rejuvenesce é a capacidade de rirmos de nós mesmos e isso eu faço, viu?! Lembra do dia em que encontramos aquela sua amiga gorda e eu perguntei se ela estava grávida? KKKKK. Dessa até eu mesma achei graça, coisa de velha sem noção mesmo.
Nos dias nos quais você estiver sem paciência para vir me visitar, meu amor, simplesmente não venha. Você não tem essa obrigação, você não está fadada a mim porque eu te botei no mundo. Te tive porque te quis e não me arrependo de forma alguma. Livre-se desta culpa! Porém, no dia no qual quiseres passar a tarde comigo, me avise antes que é pra eu pedir pra Inácia fazer aquele bolo de cenoura com calda de brigadeiro que você sempre amou, desde pequenininha.
Quanto aos meus netos, sei que não sou a avó que você queria, sei que encho eles de porcarias (que no meu tempo se chamavam “comidas gostosas” e a gente comia sem culpa), sei que eles vão dormir muito tarde quando vêm pra cá e que não fazem as tarefas de casa. mas o que eu posso fazer se a Mariinha adora me ajudar no bordado e o Juca é o melhor jogador de futebol da rua? Não posso privá-los dessas atividades que julgo ser essenciais para o desenvolvimento deles.
Na verdade, filha, eu sei que você precisa dar disciplina para seus filhos, eu tentei fazer isso com você, mas, confie nessa sua velha mãe, tudo dá certo depois, eles se tornam pessoas melhores quando a infância é regada de lembranças boas. As minhas melhores são as do sítio em Monte Alto, em meio a farinha, massa de pão e bolo que minha avó, sua bisa, fazia. Também guardo com carinho as vezes que íamos os quatro: eu, seu pai, você e seu irmão, para a casa da praia e lá eu deixava vocês se labuzarem do que queriam. Lembro-me da vez na na qual vocês tomaram cinco picolés seguidos cada um… Quase morri, mas nunca me esquecerei das carinhas de felicidade com sabor de chocolate, morango, coco, etc.
É, filha, o tempo vai passar pra você também. Eu não queria não, juro! De todas as dores que já te vi sentir e, por tudo, eu pedi para que fossem em mim, eu queria te livrar dessa, dessa maldita que é a velhice. Mas eu não tenho esse condão. Quando você chegar aonde estou, certamente nem mais aqui eu estarei pra te dar aquele apoio quando você começar a não mandar no seu corpo.
Por isso, meu bebê, aprenda que coisa boa tem início meio e fim e viver é a melhor coisa a se fazer nessa jornada chamada Vida.
Um beijo,
Com amor.
Mamãe.
Música que minha mãe cantava na rede pra eu dormir :)[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=6UZP5b99ir4[/youtube]

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