[Coração Cearoca] – Que loucura! Uma divagação sobre as cidades que habito
Dia desses, me peguei divagando cá com minhas ideias. Fiquei imaginando um mundo tão doido, mas tão doido que fiquei foi com vergonha de escrever sobre ele.
Sabe aquelas coisas, assim, proibitivas, porque não têm nem pé e nem cabeça? Dessas coisas que só passam lá nos confins do pensamento e que, quando cruzam a linha da fala, é porque você pirou? Pois é, pensamentos tipo esse.
Só que o escritor tem esse condão, o de fazer parecer ficção aquilo que ele gostaria que fosse real. Assim, em vez de ser taxado de doido ele fica famoso por ser criativo. As pessoas se espantam: “olha como esse cara – ou ‘essa’ cara – tem a imaginação fértil! Muito gênia!”.
É assim com Harry Porter, com o Game of Thrones, com os livros do Paulo Coelho, com os do Jorge Amado, Machado de Assis, etc. Tudinho queria que o mundo fosse, pelo menos, um tiquinho daquele jeito, mas, como não deu, eles escreveram e fizeram suas cartazes pra lavar a alma.
Pois bem, eu, do baixo do meu prazer e ofício de escritora, agora me senti à vontade pra expor meu mundo doido também. Se eles podem, “porque não eu, ah ah, por que não eu?” (Kid Abelha feelings).
Vocês já imaginaram se a cidade de Fortaleza fosse daquelas com prédios e casas sem portões, ou muros, à la anos 70? Já se imaginaram morando num lugar cujos casarões e fachadas foram preservados e que nos contassem as histórias de onde viemos?
Já pararam pra pensar se, naquela praia que vai da Barra do Ceará até a Sabiaguaba não tivesse um canal de esgoto sequer? Já pensou se o Rio Cocó pudesse ser trafegado de jangadinha e, nos finais de semana, a gente pudesse nadar nele e depois parar pra fazer um piquenique no parque?
Conseguem imaginar tudo isso sem nem pensar em ser assaltado ou pegar uma bactéria?
Já pensou se todos os moradores da cidade conhecessem todos os bairros e os frequentassem não só porque é “cult”, mas porque é massa? Imaginaram a vida fora do eixo Aldeota-Meireles?
Gente, é muita loucura, eu sei.
Mas minha mente, que não para de elucubrar, vai além. Tomara que minha terapeuta não leia esta coluna, pois vai querer dobrar minhas sessões.
Fiquei pensando também no Rio de Janeiro. Que irado seria se pudéssemos, numa sexta à tarde, subir o morro do Vidigal de moto-táxi pra tomar uma cervejinha olhando a vista. Como seria bacana se, sábado à noite, pudéssemos pegar um ônibus – olha a loucura, um ônibus – pra ir até a quadra da Mangueira ver o ensaio da escola.
Me pego tergiversando se os garotos que viessem da zona norte para a praia em Ipanema não fossem revistados porque vieram sem dinheiro e “teriam”, segundo alguns, de assaltar pra voltar pra casa.
Já pensou se a gente pudesse fazer mergulho na Baía de Guanabara e encontrasse cardumes e não um couro cabeludo como minha mãe encontrou uma vez? Já pensou na praia sem arrastão e na ciclofaixa que liga a Zona Sul a São Conrado, passando pela linda Avenida Niemeyer, sem matar ninguém por erro de construção? Já pensou em tomar banho no Tietê. Ai não, para! Se eu botar São Paulo aqui vou desatinar de vez.
Cara, isso é alucinação pura da minha cabeça.
Mas dou pra isso de vez em quando. Tenho vontade de sair a pé pelas cidades, tomar um chope, ou um vinhozinho, comer uma coisa gostosa e voltar pra casa, sozinha ou em boa companhia, tanto faz, sem precisar ter medo do arrastar de pés de quem vem atrás de mim, sem desconfiar até da minha sombra.
Tenho uma saudade danada de um tempo que quase não vivi no qual se podia sair a pé sem um aperto no peito de que, somente com sorte, voltaria para casa ilesa a um assalto, um atropelamento, um desrespeito, uma frustração.
Mas eu sei, é muito doido esse mundo que inventei. Vamos ficar com o nosso real que é o normal e a gente já tá até acostumada, né?
Deixa pra lá…
Publicado na Revista Vós