Com o corpo todo

Com o corpo todo

No almoço, ao tentar comer uma empadinha de modos que ela não se esfarelasse toda em minha mão e caísse no chão na primeira mordida, quando dei por mim, estava com o corpo todo curvado, ombros projetados pra frente como se eu todinha estivesse cuidando da empada, donde me dei conta de que a gente come não com a boca, mas com o corpo todo.

Assim como quando acertamos o dedo mindinho no pé da mesa com toda força e imediatamente nos curvamos inteirxs, quando não caímos no chão sucumbidos por uma dor miserável que é esta, dor estranha que, não sei se você já reparou, chega com alguns segundos de atraso, como se do dedinho até o cérebro o corpo nos desse uma trégua entre a pancada e a desgraça, cria a expectativa da dor, aí ela vem. Depois de percorrer o corpo todo e ainda gerar um suspense. 

Igual como a gente fica com a dor da saudade. A fome não vem, o sono fica estranho, um nó entre o peito que não se sabe se no coração ou no estômago. A gente deita e se encolhe, como se, em posição fetal, diminuindo o nosso tamanho no mundo, pudéssemos tentar diminuir a dor imensa que a ausência de um amor, seja de que natureza for, traz. Não conheço ninguém morrendo de saudade que se refestele numa cama, parece que dói mais, a dor caminha até as extremidades com cerol. A saudade a gente sente com o corpo todo.

Assim como a vontade que arrepia até fio de cabelo, assim como a raiva que enrubesce e faz suar, assim como a paixão que dá taquicardia, assim como o medo que dá dor de barriga, assim como quando a gente sofre uma injustiça que chega a cair o cabelo e papocar o rosto de espinhas, assim como o desejo que se deixa arrepiar por uma brisa, assim como uma lembrança boa que faz brotar um sorriso no rosto no meio da rua, do nada.

Com o corpo todo, a gente sente com o corpo todo.

Racionalizo, busco equilibrar-me meio errante entre experiências já vividas e já ouvidas. Digo que comigo não porque já sou escaldada, porque conheço os atalhos e as grandes vias de saída. Busco incessantemente separar o grito do corpo, da fala impositiva do cérebro, do boêmio e irresponsável coração que foge no meio da madrugada para lugares proibidos…

 Amanheço com rédeas curtas, com cabresto na mão e, em vão, guio meu corpo em fragmentos como quem é duas: metade a alma que sente com o corpo todo, metade um corpo em pedaços que se ilude.

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