Os cupins estão destruindo meu quarto.
Os cupins estão destruindo meu quarto.
Não sei se já vinham e eu, antes deste confinamento que nos resumiu ao micro-entorno e, logo, meu quarto passou a ser meu horizonte e, portanto, posso observar a ação dos cupins no armário, na estante e em tudo que tenha madeira, reitero, eles estão destruindo o meu quarto.
Atrevidos, como quem se vinga de todas as vezes que dedetizamos a casa para sua exterminação, saltitantes e voadores eles, na hora do lusco-fusco, no finzinho do dia, antes do acender das luzes e quando já mais não se enxerga a olho nu, eles voam pra cima de mim como se zombassem, posso até ouvir suas risadas e vozes me dizendo “perdeu pra gente”, “perdeu pra um bicho bem menor que a gente”. “Perdeu, playboy”. “Loozer“.
Eu, impotente sem poder chamar a empresa que os exterminaria, rendo-me e aceito o golpe e até sinto culpa. Como se dissesse que, sim, vocês têm razão, do jeito que estava, e só piorava, a natureza – é esse lugar de onde o ser humano insiste em se excluir, em achar que é outro, que é fora e se sentir no direito de se apropriar dela violentamente, como num estupro, vai destruindo praças, poluindo praias, construindo resorts em comunidades minúsculas e indefesas, como predadores sob a capa protetora e vil do neoliberalismo atrelado à Necropolítica (sim, esse termo vem de necrotério, é a política que mata), como quem está no mundo para destruir, o ser humano desfaz-se de si mesmo enquanto destrói a natureza.
Aí vem o vírus. Mundial que é pra mandar em quem achava que mandava. Não quer nem saber da briga entre China e EUA pela hegemonia econômica, nem tchun se a Inglaterra tá nessa “viçagi” com a união europeia, se Coréia tá ameaçando com bomba atômica, etc. Infelizmente, por pura ignorância, demência, ou psicopatia, ainda resta um por aqui que acha que manda, o representante mor da Necropolítica, que além de genocida é serial killer e vai brincando de reizinho em um momento onde o mundo inteiro perdeu o seu reinado.
Lembro-me do campeão do Oscar desse ano, Parasita, que ao nos jogar na cara a luta de classes, nos diz claramente que nossa existência só é possível se o outro puder existir. E dentro desse conceito de “existir”, estou falando de existir com dignidade e não só a mínima dignidade, mas uma que não o mantenha a míngua .
Só que agora a luta não é de classes, o vírus nem pergunta pela conta bancária, mesmo a gente sabendo que a vida tem um preço e que esteja muito claro para o capitalismo neoliberal qual vida vale mais. Não é à toa que depois que o rico foi lá fora buscar o vírus, deu um monte de festinha para propagá-lo e contratou garçom, faxineira, cozinheira, segurança para que a “resenha” bombasse ao mesmo tempo em que levava esse vírus para quem não tem com quem contar, não é à toa que as mortes agora estejam acontecendo bem mais nos hospitais públicos, ou em casa mesmo, sem assistência alguma.
Mas quem se importa com essas vidas?
O Corona vírus não toma nem conhecimento se Maria, Rafa, Carla, se Pedro era pai de João, se Jerônimo era o avô de marquinhos e era quem ia buscá-lo no colégio para que seus pais pudessem trabalhar durante o dia e serem motoristas de Uber à noite. E agora, como vai ser?
Mas quem se importa?
O bicho também não quer saber se é um artista com obra tão importante, se músico, se cantor, se escritor, se gente que vai deixar um oco no pensamento crítico do Brasil,
Mas quem se importa? A secretária de cultura não está nem um pouco se importando. Muito menos o chefe dela, este, acha é bom, quanto menos cabeça pensante, mais engorda o gado.
Mas o vírus realmente não faz distinção, se médico, se engenheiro, se pedreiro, encanador, pega qualquer um. Com ou sem plano de saúde. “Vocês é que lutem”, ouço daqui o Corona dizer enquanto me trancafio em casa com medo desse “parasita”.
Os cupins de meu quarto também parecem não se importar. Nem se dão conta de que quando compramos essa madeira nos disseram que cupim não come, é anti-cupim. Kkkkkkk, otária, acabo de ouvir aqui do lado de um deles, meus companheiros de aventuras internas nesses tempos.
Não sei se duraremos. Nem se quando pudermos sair de casa, se eu não estarei soterrada em meio a esse pozinho que todo dia faz morrotes nas minhas fuças, diante do qual sou tão impotente.
Acho que sempre fomos impotentes. A gente só se iluda que não. Nossa potência depende da potência do outro e esse outro é tão impotente nesse sol a sol desgraçado, né? Enquanto alguns tiram lições maravilhosas de suas 40tenas, outros, né? As empregadas, as babás, essa outra, essa preta, aquela. Mas quem se importa?
Como lição desse momento em branco que estamos passando, no qual paramos de desenhar nosso futuro pra tentar permanecemos aqui por um pouco mais de tempo, a grande lição que fica é que a exploração jamais será a solução. É preciso reorganizar tudo, tirar do lugar, ouvir, ver, sentir o cheio dessa miséria que construímos até aqui. Caso contrário, voltaremos pro mundo os mesmos só que com máscaras. Outra máscara além essa apatia que carregamos. Vamos sufocar.
E os cupins, haha, assista ao filme Parasita pra você ver o que vai acontecer com eles, ops, comigo.