De perto, ninguém tá bem

de perto, ninguém tá bem

Se você chegar bem perto das pessoas, bem junto de alguém, você vai ver: ela ainda está ferida, ainda um tanto apreensiva, ainda se sentido agredida, ainda com medo de alguma coisa que talvez nem ela consiga definir de que, mas ela está assustada.

Normal. É trauma e trauma leva tempo até deixar de incomodar, de nos assombrar, até deixar de ser um fantasma e passar a ser uma lembrança de um momento ruim.

Eu mesma me enganei. Achei que, assim que acabasse a pandemia eu sairia lépida e faceira pela rua, numa alegria sem fim, me sentindo tão livre que nada mais me estressaria. Nem o Bolsonaro.

Pois bem, a pandemia passou, a gente já se aglomera com muita gente e ninguém morre por causa disso, a gente se abraça, as crianças correm com nariz escorrendo e ninguém tem mais uma síncope, as escolas têm alunos, os show têm fãs e realmente isso tudo é maravilhoso. O Bolsonaro, meu calo, perdeu as eleições, tornou-se inelegível e isso me tranquiliza profundamente.

Mas, mesmo assim, tem um quê de ameaçador que ficou e que fica assustando ainda que o cenário tenha mudado e eu desconfio que saiba o que é, ou, pelo menos, tenho me empenhado em entender.

Para chegarmos até aqui a luta foi grande. O medo de morrer e de matar por causa de um vírus foram imensos e, ainda que muitos tenham tentado negar, a verdade é que essas pessoas também sofreram, porque a negação já é um dos sintomas do sofrimento, de quem não consegue lidar com a realidade e, portanto, a nega. E isso, tenho certeza, também é sofrível.

No âmbito político, a ascensão da extrema direita em muitos países foi muito cruel para quem é de centro, ou de esquerda. Encarar uma pandemia com um presidente que demitia todos os ministros da saúde que orientavam que a população usasse máscara e ficasse em casa, trocando os nomes até chegar num general covarde que disse “manda quem pode, obedece quem tem juízo” foi de liquidar com qualquer fragmento de saúde emocional que nos tinha restado.

Fora isso, já no final disso tudo, não sei você, mas eu fui duramente atacada por pessoas bem próximas e isso me gerou uma sequela na alma que corrobora para essa sensação de ameaça constante, de uma dor que parece não ter endereço certo.

Gerou-se um medo de falar e não ser compreendida, expor uma ideia e ser atacada. As pessoas tanto estão armadas como estão na defensiva. Gerou-se uma sensação de que você não é bem-vinda em alguns lugares e de que você não pertence mais a um grupo que outrora parecia tão seu.

Passamos a nos estranhar e, já que nos estranhamos, de alguma forma nos tornamos estranhos para alguns e a gente tem medo de gente estranha e é por isso que, penso, a gente anda meio assustada, meio ferida, meio com medo.

Há quem ande se assustando com o atual governo. Gente que tem um medo danado do Brasil virar uma Venezuela e penso como deve ser dolorido para essas pessoas conviverem com esse fantasma. Ainda bem que esse eu não carrego, ando cada vez mais segura e otimista com a democracia sendo restabelecida depois de tanta ameaça à pobre que já é frágil.

Ontem, assistindo o jogo das brasileiras na seleção, num momento em que quase saiu o maldito gol que não veio, comecei a gritar “gol, gol, gol”. Minha mãe veio correndo pra ver e disse: ai, minha filha, eu tomei um susto… A gente anda tão assustada hoje em dia, né?

É, mãe, e não somos só nós duas. Se a gente chegar perto das pessoas, a gente vai ver que todo mundo anda lidando com essas feridas dos últimos tempo que ainda não sararam e que talvez tenham nos deixado sequelas duradouras.

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