Descompasso sincopado

descompasso sincopado

Às vezes atordoada, por vezes desorientada tentando seguir esse rumo que Deus se esqueceu de me dar.

Têm horas que o mundo aqui fora parece um coral desafinado, um coral da inimizade (valei-me Vinicius!), cada voz numa direção e um barulho que nada canta, nada conta, nada prevê.

A alma busca o centro, o tal prumo, o silêncio como quando se mergulha no mar e se é invadida por uma ausência que dura o tempo de um fôlego. Um átimo de paz, o resto é sufocamento.

Lembro-me das tardes sem tempo de outrora. O som dos encontros e de nossas respirações. Pra onde fomos?

Que correntes nos levaram e nos deixaram à deriva? Onde fica a beira da praia? Melhor não remar contra a maré? Aí, onde você está, da pé? Qual é a tônica da palavra que afoga? Foi a maresia que corroeu a nossa poesia?

Qual é a língua dos oceanos pra gente poder se comunicar com o mundo, com a Terra, com a gente?

Como falar com esse grito entalado aqui?

Valei-nos João Gilberto! Dai-nos, de onde quer que ouça os meus sussurros, a velha Bossa Nova. Devolva-nos a fala ao pé d´ouvido, o miudinho, a paciência de uma canção de um instrumento só. Que a gente possa, João, sentar numa varanda à beira-mar e ouvir a paz e a força que traz o canto de Nara e o seu violão docemente sincopado. Ver um por do s o l que, sem dar a mínima para nossa pressa, cai no seu tempo, ao sabor do seu vento.

Por ora, são bombas, tiros, gemidos, abusos e absurdos. Som de motocicletas a iludir pessoas em nome de um Deus deles acima de tudo excludente, racista, homofóbico, misógino. Seria Deus esse cara se Deus, deus fosse? Duvido!

Deixei de pensar no que fazem as pessoas se enfeitiçarem por ele. Sofro menos. Busco nelas o que faz com que eu me identifique com elas. Busco encontros.

Quero a rizada do nelsinho quando conto historinhas pra ele dormir. Quero aquele olhinho arregalado na hora do suspense e a eterna interrupção para inserir personagens e “corrigir” meu roteiro nessa história sem fim. Sherazade buscando eternidades enquanto vela um sono de criança.

Agora, o coração verte num cambaleante descompasso. Daqui posso ouvi-lo e procuro cadenciar as batidas antes que ele se perca nesse mundo a vagabundar por aí… Parrí?

Eu? Eu sei. Eu nasci para os afagos. Nasci pros chamegos, para as conversas no pé do muro, ou numa mesa de plástico com cerveja gelada. Nasci pro que é afeto bom, pro carinho, pro cuidado. Apanho num mundo de incompreensões.

Ora, meu pai e meu avô choram com poesia, minha mãe e minha avó cantavam canções sobre Mãe Menininha pra eu dormir. Há gerações minha alma é talhada no sensível.

Desculpa, mas eu não estou preparada para alimentar ódios e cercear amores. Sufoco. Sucumbo.

Preciso do silêncio ao mergulhar mais fundo.

Preciso botar minha cabeça fora d´água.

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