Dia da Mulher – muita luta e muita mulher até aqui

dia da mulher

Passei o Dia da Mulher trabalhando na minha tese que trata de uma mulher imensa, ainda que sua obra esteja “escondida” atrás do marido de grande renome, Jorge Amado. Eu escrevo sobre a Zélia Gattai.

Para extrair a potência de sua obra – são onze livros de memórias e três de ficção, e eu recomendo todos veementemente – eu estou lendo outras mulheres, mulheres que escreveram sobre grandes mulheres, porque, na literatura, basicamente são as mulheres que escrevem sobre elas mesmas, os homens, estes giram em torno de seus umbigos. O patriarcado é f…orte.

Leio e releio sobre as quatro Ondas do Feminismo, essas que culminaram, já na Terceira Onda do Feminismo, no reconhecimento deste dia 8 de Março como dia Internacional da mulher, dia em que mulheres lutaram pelo direito ao voto e a participação na vida política, lá nos idos da década de 1890. Eram os homens quem decidiam sobre nossos direitos – e ainda são, sabemos, já que a participação da mulher na política é ínfima. O lugar da mulher era em casa, cuidando dos filhos e satisfazendo sexualmente o marido, enquanto ele, o marido, podia ganhar o mundo.

De lá pra cá são inegáveis as conquistas. Passamos a votar, a poder trabalhar fora de casa – estou falando aqui da luta da mulher branca, porque a mulher negra, esta sempre fora obrigada a trabalhar desde cedo, sem direito algum à dignidade e ao respeito, tema muito bem retratado pela filósofa e escritora Sueli Carneiro, citada no livro “Lugar de fala” da Djamila Ribeiro. Deixo aqui uma estrofe que sempre quando leio, fico impactada e me sinto minúscula diante da dor de tantas:

“Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar. Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados.”

Voltando às conquistas, sim, foram muitas. Desde de podermos decidir a roupa que vestimos – ops!, nos países ocidentais, né?! porque em alguns países do outro lado, mulher não pode nem mostrar o rosto na rua.

Mas as conquistas foram muitas, nós mulheres já podemos até usar calças jeans. É bem verdade que não podemos usar saias curtas à noite, na rua escura, pois podemos ser estupradas e a culpa será toda nossa por estarmos “provocando”.

Mas as conquistas foram muitas. Quer dizer, ontem vi uma notícia de que uma mulher morreu a cada sete horas de feminicídio no Brasil em 2021. Isto é, a mulher não satisfaz o desejo do homem, seja ele qual for, e este homem se acha no direito de lhe tirar a vida. É muita brutalidade. Mas a gente sabe que essa estrutura não só está enraizada como ela é perpetuada, desde quando nasce uma menino e o pai diz “segurem suas cabras porque meu bode está solto”. Pode parecer banal, mas começa daí o homem achar que a mulher está a serviço dele.

Sim, num passo que anda e retroage ao longo dos anos e das lutas, foram muitas as mulheres que colaboraram para que tivéssemos algumas conquistas ao longo desses séculos, para que saíssemos do anonimato, da exclusão social a, pelo menos, alcançarmos o lugar da reivindicação.

Nísia Floresta Brasileira Augusta, uma potiguar que ousou escrever sobre o direito das mulheres e a publicar um livro sobre esses direitos. Francisca Senhorinha da Mota Diniz, por volta dos anos 1870 publicou um jornal chamado “Sexo Feminino” no qual também tratava dos nossos direitos. Josefina Álvares de Azevedo que, à frente do jornal “À Família” foi uma das primeiras mulheres a defender o direito ao voto feminino e à cidadania no país. Simone de Beauvoir, Pagu, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro e a própria Zélia Gattai, minha amada.

São tantas que citá-las certamente seria injusto, pois ficariam faltando muitas outras. Mas a verdade é que se hoje estamos aqui reivindicando, trocando ideias, discordando, falando sobre o aborto, sobre o direito ao casamento gay, à maternidade opcional e sem culpa. Se hoje podemos atuar em muitas e muitas áreas, mesmo sabendo que muitas portas ainda estão fechadas, se podemos ser médicas, cientistas, publicitárias, escritoras, cantoras, matemáticas, etc, é porque outras de nós vieram antes e, lá atrás, foram julgadas e criticadas por quererem mudar o que estava dado.

As que hoje são criticadas, seja pelo comportamento, seja porque não querem mais se depilar, seja porque vão à praia com o corpo que têm e se acham lindas, seja porque resolveram que o lugar delas não era servindo, mas dando ordem. Mulheres como Anitta, Preta Gil, tantas meninas da favela que se organizam em negócios próprios, em movimentos que as protegem. Essas mulheres que fazem por seu bairro, sua comunidade e, assim, vão gerando uma onda de empoderamento que chega até mim, até você. Essas mulheres nos abrem portas.

Por isso, hoje, no nosso dia, acho que vale reforçar a máxima de que precisamos estar juntas. Se você concordar com uma bandeira levantada por um grupo de mulheres, faça coro. Se não concordar, não jogue contra, não jogue pedra. Não tenha medo das mudanças que as mulheres reivindicam, você não precisa acatar todas elas pra si, mas saiba que, quanto mais conseguirmos mudar o que nos oprime, mais livre seremos para ser o que quisermos ser, ainda que você queira ser o que você já é mesmo.

A todas as mulheres, as que estão na linha de frente das batalhas por nós, as que estão na retaguarda dando apoio e àquelas que um dia vão dar valor a tudo isso: FELIZ DIA DA GENTE. Daqui, deste lugar de escrita que é meu, espero poder contribuir minimamente com essa luta que tá longe do fim, mas que já nos garantiu muita coisa.

Você também pode gostar

ainda estamos aqui
ainda estou aqui
Luciana Targino

Ainda estamos aqui

… Lembro-me de que quando li o livro, tive a sensação de estar lendo algo sobre meu passado, sobre uma história muito difícil, sofrida, mas passada…

Leia Mais »

Deixe aqui o seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *