Distopia Utópica

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As coisas melhorando, a vacinação avançando, o vírus, que talvez esteja nos enganando, dando uma trégua e por consequência, aquilo que muita gente temia: a vida voltando a ser o que era antes.

É gente, para muita gente, nem tudo eram flores antes e nem tudo foram trevas agora.

Não quero aqui exaltar a pandemia porque ela foi a pior tragédia que nos abateu. Para esta escritora que vos escreve ela não teve nenhum ponto que eu pudesse dizer “Nossa! Se não fosse a pandemia eu jamais saberia disso”. Eu já sabia, a pandemia só me trouxe tristeza, medo, angústia e um certo pânico que já está medicado e controlado e amarrado em nome de Jesus.

Acontece que o confinamento e essa reorganização da dinâmica de trabalho que era enfadonha pra muita gente: acorda cedíssimo, se arruma com roupa de escritório, bota um saltinho miserável de desconfortável e vai passar o dia fora de casa, acontece que isso de não precisar disso foi maravilhoso para uma parcela da pupulação que experimentou um mundo fora do piloto automático, fora do que ela não sabia que era possível existir. O tal do Home office foi surpreendentemente bom.

Sim, a distopia trazida pela pandemia, esse mundo inimaginavelmente ruim, trouxe para alguns a utopia de um mundo onde o trabalho não rouba o prazer das coisas mais ordinárias, porém mais bonitas da vida.

Ora veja, se a pessoa trabalha de 8h às 18h, ou se, pior, trabalha no shopping aos domingos, que horas é que ela almoça com o filho que mora a bairros e bairros de distância do local de trabalho? Que horas é que ela dá um cochilinho básico depois do almoço, meia horinha só pra esticar o esqueleto? Que horas é que ela sente o cheiro do cafezinho no final da tarde e o gostinho da tapioca que só a mãe dela faz? Não sente. A verdade é que não sente, não curte, não vivencia. Tenho uma amiga que descobriu somente nas férias que a casa da mãe dela tinha cheiro de bolo no final da tarde.

Essa insanidade da voracidade do capitalismo aplacada pela pandemia deu uma sacolejada em muita gente. “Mas pra que é mesmo que eu corro tanto numa direção que não me leva para os meus?”

E aí que a galera que se livrou dos escritórios frios, com ar-condicionado alérgico e colegas protocolares fingindo produtividade oito horas seguidas por dia num ambiente fake familiar… Desculpa gente, sem hipocrisia, néannn? Bom mesmo é a casa da gente, o filho da gente, os pais da gente, o chamego, o amor da gente.

Passar a maior parte do tempo na melhor parte da vida confinada em prol de produzir dinheiro sentado num escritório, ainda mais agora que se sabe que dá pra fazer o mesmo sem precisar se deslocar todo santo dia o dia inteiro, é de doer. Distopia pura!

Conheço gente que chorou ao retornar presencialmente para a empresa. Após experimentar pela primeira vez acompanhar, pasme!, a rotina do filho: alimentá-lo, acarinhá-lo, brigar, acompanhar os estudos, o sono e não apenas “provê-lo”, que é o objetivo do capitalismo e do progresso, isso de prover as coisas, mas não conseguir viver o que se provê. Deu no que deu, a distopia virou uma utopia. O que não se podia imaginar deu naquilo que também nem se sonhava, mas era bom.

Eita! A Luciana agora é comunista!!!

Longe de mim, gente, bem longe. Comunismo só se consumou no mundo com ditaduras sanguinárias e isso eu tenho orjeriza. Mas também sou absolutamente contra essa insanidade de roubar a vida das pessoas enquanto vivas, tirar o prazer do cotidiano delas, vender o tempo que temos aqui a preço de banana e passar a maior parte do tempo com tédio, isso eu acho muito ruim.

Utopia: seria lindo se a humanidade aceitasse dar um passo atrás na velocidade da máquina do “desenvolvimento”. Santificar os domingos como diz lá nos dez mandamentos para a criatura poder descansar, igual Deus descansou, não foi? Garantir que vai se conseguir chegar em casa antes do anoitecer para encontrar a criança acordada, pra poder fazer nada, ou qualquer coisa que não seja consumir, mas sentir, estar, pausar, RESPIRAR.

Que este ar que tanto nos faltou – essa distopia – não nos seja tomado novamente por uma correria que adoece. Utopia.

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