Ensaio sobre o "não saber"

Sempre tive muita dificuldade em lidar com o que eu não sabia.
Não que eu seja uma criatura curiosa, dessas que desde criança é cheia de “por quês”, dessas que se interessa por astronomia, geologia, botânica, astrologia… Nada disso, aliás, as curiosidades me dão mais preguiça do que vontade mesmo de desvendar.
Quando eu caminhava com meu ex marido por uma nova praia para nós, ele sempre insistia: “Vamos até ali pra ver o que tem depois daquela curva” e minha vontade era a de me sentar, pedir uma água de coco e ficar com o marzão lindo que já estava mais do que o suficiente para saciar meu instinto desbravador.
Refiro-me, neste ensaio, sobre o não saber de dentro, dos afetos, dos sentimentos, dos pensamentos, do que mexe com o ego, com a rejeição, com a solidão.
Falo do não saber do outro acerca mim, da não resposta, da não ligação, da falta de notícia. Ao contrário do que diz o ditado, quando o assunto é das esferas sentimentais, a falta de notícias é a pior delas. Gera angústia, dúvida, medo, culpa, tristeza… Admiro quem mantém a esperança positiva quando não se sabe do outro.
Mas toda esperança não deveria ser positiva?
Penso que não. Apesar de a palavra exaltar em suas sílabas ES PE RAN ÇA que tudo pode dar certo, existe àquela que já vem talhada na frustração, no engano, na desilusão e ela só espera pelo que não é bom, pelo que não é belo. Chama-se a isso de desesperança… Vai saber.
Mas também, pra que essa necessidade tão grande em saber das coisas, saber do outro, saber do que não se sabe? Que diferença deveria fazer eu saber do que alguém sente ou pensa de mim? É o saber que traz a felicidade? Ou, como diz o dito popular: “A ignorância é protetora”?
“Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção… É esse o motivo de todas as ações, de todos os homens até mesmo os do que vão se enforcar”. Ok, Pascal, entendi, mas será que buscar a sabedoria da alma incansavelmente nos traria essa tão felicidade desesperadamente?
Acontece que andei refletindo sobre o “não saber” e continuo ainda sem concluir se há algo que possa ser especificado diante de uma sentença causadora de tantas dúvidas. Muito mais perguntas do que certezas quando não se sabe, claro.
Vou seguir com o ensaio ainda sem respostas para as perguntas anteriores, mas essa prova é difícil de gabaritar. Quer dizer, nem sei se isso é um ensaio, pois só faz duas aulas que eu tô aprendendo o que de fato é um ensaio e pode ser que tudo o que eu esteja ensaiando aqui não o seja e não sirva para compor minha avaliação final na faculdade. Quero nem saber.
Sócrates não me ajudaria em nada com o seu famoso “Só sei que nada sei”. Agambem muito menos com o seu humilde “O que eu sei?”. Quer dizer eu nem sei se foi o Agambem mesmo quem citou essa frase. Uma injustiça até eu saber e não saber ao mesmo tempo. Sei da frase, não sei do autor e, portanto, me torno uma fraude ao citá-la sem dar os créditos.
Vejam, saber mais ou menos pode ser mais catastrófico do que de nada saber. Corre menos risco o que não sabe de nada. Vejam os presos políticos torturados até a morte por saber e não dizer. Mas será que sabiam mesmo de alguma coisa? À época da ditadura não existia a mamata da delação premiada. Ah! Se eles soubessem que no futuro tudo seria tão mais simples…
…Só sei do percurso e é longa essa jornada de quem não sabe. Pode durar uma vida inteira, como uma mãe que perdeu seu filho numa praia e nunca mais o encontrou, mas desse “não saber” eu espero nunca saber e, portanto, nem entrarei no mérito de aprofundar-me por águas tão turbulentas.
Não saber pode durar meses, se aquele cara não te manda notícias frequentes e a relação fica num “chove e não molha” que é de inundar. Pode durar uma semana, algumas horas… Fato é que todo não saber faz doer.
Não saber do outro põe à prova o que se sabe de si. Duvida-se do que pode ter sido dito, do não dito, de um gesto, um sorriso, um jeito, sei lá o que eu posso ter feito para parar de saber de ti.
Passamos a nos questionar e, na angústia de não encontrar uma razão, trazemos para nós a responsabilidade e nos culpamos. Muito mais fácil lidar com a culpa do que com a dúvida certas vezes.
Não saber ultrapassa a esfera interna e deixa o dia mais sombrio, as pessoas mais pálidas, o semblante pesado. Não saber atormenta, amedronta, dói o estômago. Não saber queima, dilacera, suga energia.
Começo a achar que esse não saber é mais complexo do que eu gostaria. Esse não saber do outro sobre nós perpassa por uma questão que merece mais de mil ensaios, o amor.
Quando amamos e não sabemos é combustão. Dois elementos inflamados que explodem por dentro e causam estrago.
Algo muito mais de Platão, daquele amor pelo que nos falta, do que um amor Spinozista: “Estou feliz porque você existe”. O segundo que me perdoe, mas o amor é bem egoísta e amar a existência em detrimento do pertencimento é para seres mais evoluídos e não para nós mortais que de nada sabemos acerca de nossas emoções e motivações e vamos agindo desordenadamente, perdidamente e desesperadamente pela vida, pela nossa vida e pela a vida dos outros, coitados.
Durante o percurso você termina por criar mecanismos de continuar vivendo, vai se distraindo aqui, arruma o que fazer ali, racionaliza que a vida é maior do que àquela espera toda e segue o fluxo do viver. Certamente a vida lhe dará novas razões e, claro, novos “não saberes”.
A boa notícia é que o não saber tem cura. Apenas duas especificamente, mas resolvem. A primeira é quando você deixa de se importar com o que não soube e não saberá e passa simplesmente a não querer mais saber. É como se toda àquela espera por notícia se transformasse em jornal de ontem e passa a ser tão relevante quanto o embrulho do peixe que você comprou na feira.
A segunda é quando, quase que por um milagre, a notícia vem. Chega como um “oi”, como um “senti sua falta”, ou um “quero te ver”… Você olha, pensa em tudo o que passou nos últimos tempos, em tudo o que sentiu, no que deixou de viver… Pensa até em não retornar, bancar a forte e autocentrada que não cederá nunca mais a esse tipo de relação, dessas que nunca se sabe quando se está ou não. Tudo isso em dez segundos.
Algo como bem cantou Chico Buarque:
“Ah, se eu soubesse não andava na rua. Perigos não corria. Não tinha amigos, não bebia. Já não ria à toa. Não enfim, cruzar contigo jamais…
… Mas acontece que eu sorri para ti. E aí larari larara lariri, lariri…”
No décimo primeiro ponteiro do relógio você, que de nada sabia e provavelmente ficará sem saber em breve, entrega-se àquele instante de certeza de que a vida só vale a pena quando sabemos de tudo o que naquele exato, e único, momento nos importa.
Vai saber.
P.s: Só pra você saber, a pessoa da foto não sou eu e a imagem não tem nada a ver com o tema, mas, um conselho, sempre que você não souber, corra pro mar.
Para encerrar, vamos daquele que sabe de tudo sobre as mulheres e que é uma incógnita de olhos azuis. Ah Se eu soubesse, Chico!

 
 

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4 respostas

  1. Ow Luze! Realmente muitas vezes o nao saber dói p caramba! 😩
    Ja entrei na “idade da loba” e ainda tenho dificuldade de passar p essa etapa do “não quero mais saber”. 😂🙈
    Mas eu chego lá!
    😘😘

    1. Stella, o amor deve ser a única condição que iguala nossas idades. Somos todos aprendizes, crianças indefesas, jovens inconsequentes, adultos inseguros. A boa notícia é que, em meio a esse monte de não saber de nós podemos ser quem a gente quiser, inclusive àquela que não quer mais nem saber.
      Beijos!!

  2. A gente não sabe nada mesmo. Não sabe como ou porque chegou até aqui. Como e aonde vamos parar. Mas uma coisa é certa. Não se deve se culpar pelo sumiço do outro. Não se deve se depreciar, se diminuir, se repreender pelo sumiço do outro. O outro é o outro e também não sabe de nada

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