Evoé, Gal!

Gal

Quarta já virou quinta e entre a volta da Covid, a minha dor de garganta de grito entalado, entre tentar entender de onde vem o tiro e uma mala por fazer que me levará para a Jordânia, a Gal Costa morreu.

Isso mesmo, a Gal Costa morreu e eu acho que terei de repetir isso até o final desse texto pra ver se eu consigo compreender que a Gal morreu. A GAL MORREU!!!

De uns tempos pra cá, me pego pensando neles: Chico, Caetano, Bethânia, Gil, Gal… E quando eles começarem a ir? Ficava me perguntando e tentando jogar uns dez anos pra frente a fim de tirar esse pensamento de meu coração.

Oitenta anos de Caetano, de Gil, turnê de despedida de Milton, e meu coração se apertava todas as vezes que eu pensava em um Brasil sem eles ao vivo. Durante a pandemia, eu temi tanto pelo Chico (amor de minha vida, vocês sabem) que cheguei a perguntar para o neto dele, Chiquinho Brown, meu amigo de Instagram, que me tranquilizou dizendo que o “Vôico” estava bem guardadinho em casa.

Lá em casa nunca fomos religiosos, não creditamos a Deus nossas agruras e nem nossos louros. Nossas deusas e nossos deuses são outros, são múltiplos e trazem a sua divindade na arte, coisa que só pode ser de Deus, porque, como se explica um Beethoven? A capacidade de Chico Buarque em traduzir alma em canções certamente não é deste planeta. Nem Caetano, cuja magia no articular das palavras só pode advir de dona Canô, pois a voz divina da irmã também é algo sobrenatural. Quando eu escuto “Os quereres”, “Luz do sol”, “Meu bem, meu mal”… Penso que Caê é regido por uma dimensão que não é a minha, da qual sou apenas plateia: aplaudo e agradeço. E Gil? Aquele príncipe negro do “kaya N’Gan Daya”, do “Refazenda” e da versão mais bonita de “I just call to say I love you”? A voz soteropolitana de Gil, ao mesmo tempo que faz flutuar, enraíza. E a voz de Gal?… E a afinação da voz de Gal?… E o alcance da voz de Gal?…

Para mim, são tudo entidades. Certeza de que se eu vir Bethânia no meio da rua, eu caio dura. É energia demais para minha parca alma ateia.

Mas eu gosto de meus deuses e minhas deusas perto de mim. Sou São Tomé e preciso ver, preciso saber que estão ali, preciso alimentar a esperança de cruzar com Chico Buarque em Ipanema às onze da manhã e de um dia qualquer (juro que eu ando procurando por este acaso todas as vezes que chego nas cercanias de Ipanema e Leblon). Preciso saber que estão em turnês e que eu estou a um ingresso deles, de me emocionar quando sobem no palco, como se o divino e o maravilhoso aparecessem pra mim, me mostrando que o sagrado pode estar perto, à mão. É assim como num banho de mar, com na lua cheia que demorou a sumir de manhã e ficou esperando pelo sol num raro momento de paquera desse amor platônico de muitas vidas. Assim como num céu cheio de estrelas, quando umas caem e que a gente possa brincar de magia e de sonhos…

Penso que são em momentos assim que os deuses e as deusas se manifestam, porque é assim que se comunicam com um lugar em mim onde o racional não compreende, um lugar meu que me dá indícios, mas não caminhos. Um lugar onde me perco, mas é onde tudo faz sentido, um lugar que só pode ser acessado pela música, pela poesia, pela história do avesso, por um olhar sensível.

Por isso é tão difícil acreditar na morte da Gal. Porque o que é sagrado, a meu ver, está neste plano. Contudo, “Eu não discuto com o destino. O que pintar, eu assino” – obrigada Leminski – e eu já me convenci de que o sagrado pode continuar existindo em outras dimensões, como em ondas sonoras, por exemplo. Um lugar aqui, mas além, no meu Spotfy, ou nas caixas de som da varanda do meu pai, onde Clara Nunes nunca morreu, está vivinha, vivíssima até hoje.

E é de lá, e em todo lugar aonde o sensível chegar, que manteremos a nossa Gal viva, brilhando por entre fagulhas e estrelas de São João, nos dando sorte, sendo nosso vício e bálsamo benigno numa chuva de prata que cairá sem parar. Nosso Brasil de cara amostrada pra quem quiser ser convidado pra essa festa pobre que armaram pra nos convencer. De lá, que saberemos da piscina, da Carolina e da margarina. De lá, saberemos de mim, de nós, Baby.

De lá, e de qualquer lugar homenagearemos e aplaudiremos Gal, que partiu daqui para um lugar além, aqui dentro, para nunca mais sair.

Obrigada, Gal!

Viva a Gal!

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