Fortaleza, a cidade do samba?

Fortaleza cidade do samba

Fortaleza, a cidade do samba?

No dia 29/11, Fortaleza comemorou antecipadamente o “Dia do Samba” que tem sua “data magna” no dia 2/12. Evoé!

A festa seria bonita no Mercado dos Pinhões, um mercado de ferro lindíssimo em nossa cidade, um lugar público que hoje se destina a agregar pessoas em carnavais, noites de serenata, forró, e demais manifestações culturais que por aqui aflorem e queiram um espaço para acontecer. Um lugar destinado a – num átimo raro de espaço/tempo resistente à desigualdade social do nosso Ceará – proporcionar encontros de pessoas que se percebam como iguais.
Assim como o samba, esse ritmo que nos instiga à ir pra rua, nos remete à confraternização, à alegria, à igualdade, pois o samba nasce no povo, nasce das camadas mais populares, com origens africanas, sim, os negros, apesar de serem tão discriminados nesse nosso país, eles generosamente nos presentearam com o ritmo mais democrático desse Brasil. Assim como deveria ser o tal mercado.
Contudo, o Fortalezense, talvez o cearense, e não sei se outros povos desse país, mas vou falar de minha aldeia, muita gente dessa terra não pode viver se não for pra se sentir exclusivo. Talvez seja fruto da baixa autoestima desenvolvida por tanto levar no couro e sofrer preconceitos mil, não sei, fato é que, num espaço de 20 metros quadrados que seja, o fortalezense dá um jeito de encastelar escolhidos em “camarotes” e separar quem tá fora, afinal, quem tá dentro precisa se sentir “mais gente” do que todo o resto da gente. Feito a canção do Ednardo “Eu sou a nata do lixo”, é isso.
Fato é que no evento para celebrar o “Dia do Samba”, do democrático samba, em uma cidade que agora se intitula “A cidade do samba” – falo já sobre essas aspas – fato é que cheguei ao evento e me deparei com grades. Isso mesmo, grades separando a roda de samba do resto do povo. Veja bem, Chico Buarque não estaria na roda, ao que me consta, não tinha ninguém que despertasse tanto furor a ponto de termos de ficar isolados. Sem querer desmerecer os artistas, claro, mas vamos combinar que Chico precisa de certa segurança, porque se sou eu que vejo Chico sentado, tocando e cantando, eu voo em cima dele. Melhor protegê-lo. De resto, admiro, mas não avanço. Falando sério, ninguém ali avançaria.
Aqui eu abro pra uma pergunta: você já foi numa roda de samba raiz? Se sim, já deve ter visto. Se não, eu te explico. Eu já fui a várias, desde 2003 frequento rodas deliciosas de samba no Rio de Janeiro – essa sim, a cidade do samba, mas eu falo já sobre isso – e pasmem: Não há grades. Não há grades no clube mais famoso de samba do Rio, o Renascença – com uma roda linda às segundas-ferias, não perde -, na Tijuca, na Praça XV, na Praça XI, em Copacabana – no tradicionalíssimo Bip Bip, que se mantém vivo mesmo depois da morte repentina do “Alfredinho”-, em qualquer lugar onde o samba se faça com o seu propósito primário, o de agregar povo e trazer alegria, não há grades. Um adendo, frequento há anos as rodas de Fortaleza e a maioria delas também não têm grades.
Não há grades pra separar o público do pulsar de um bumbo, do “tacaticatá” de um tamborim, do choro de um cavaco, dos acordes de um violão, do lamento de uma cuíca, das batidas contagiantes das caixas e, claro, da marcação na palma da mão da galera, das vozes emocionadas entoando as canções mais bonitas do mundo – sim, eu AMO samba. O público, numa roda de samba, é parte da roda, entende? É quem faz o caldeirão ferver.
Tereza Cristina, sambista carioca – do Rio, da cidade do samba, mas eu falo já sobre isso – da nova safra que já ganhou o Brasil com o seu samba, fez um show no cine São Luiz dia desses e abriu mão do grande palco para entoar as últimas canções do show no nível do público. Desceu a um palquinho mais baixo, chamou a plateia pra se levantar dizendo que ninguém ia conseguir ficar sentado e entoou sambas enredos de Mangueira, músicas de Portela, colada nas pessoas porque, certamente ela sabe que pra fazer um samba bom, calor humano é vital.
Pois nós, no dia do samba da “nova capital do samba” – calma, vou falar agora sobre isso – ficamos ali atrás das grades, separados das vibrações, enquanto no “camarote” a “nata do lixo” se divertia e talvez se sentisse mais gente do que os outros, não sei. Talvez tivessem tão contrangidos quanto eu, pode ser.
Agora, deixa eu falar sobre o que eu também quero falar e tô só adiando. FORTALEZA, CIDADE DO SAMBA? Calma, gente, menos.
Conheço mulheres sambistas maravilhosas na capital de Alencar – dê um Google no “Samba delas”, ou no projeto “Do batente pro batuque” – conheço homens sambistas incríveis que estão na lida há muitos e muitos anos fazendo esse ritmo ecoar por aqui. Sem querer desmerecer nenhuma dessas pessoas, mas, vamos combinar, Fortaleza não é a cidade do samba e nem nunca vai ser porque esse posto é lindamente bem ocupado pelo Rio de Janeiro e será pra sempre.
Pra que essa prepotência e essa arrogância que chegam a constranger? Quando o animador de palco gritava para o público repetir o mais novo slogan da cidade, duas outra três vozes meio silenciosas o seguiam. Todo mundo sabe que Fortaleza não é a capital do samba e, aí é que tá, ela não precisa ser para ser uma cidade com ótimas rodas de samba.
Ninguém precisa tentar apagar o brilho de ninguém pra que sua estrela brilhe. Não que Fortaleza tenha incomodado os cariocas porque, sinceramente, não vão nem ouvir esses gritos, o samba lá toca alto e o povo, perto da roda, só consegue ouvir a música. É mais pra gente mesmo, pra gente não ficar pagando mico na frente da gente e nem dos turistas que vêm pra capital, aí sim, do forró e pode ser muito bem surpreendidos com um lindo samba, porque não?
FORTALEZA, CAPITAL NORDESTINA DO SAMBA. Que tal começar por aí?
E, só mais um conselho, que eu não estou dando e nem vendendo como o ditado e o Arlindo Cruz dizem, Fortaleza, se quiser almejar um lugar bonito no samba, comece baixando as grades. Deixa o povo chegar junto, é lindo.
O meu conselho é pra te ver feliz!
Salve Arlindo Cruz!
Viva o samba de qualquer cidade!
Viva o samba!
Crônica publicada no jornal O Povo, no dia 3/12. Segue o link aqui.  

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