Fraca: sobre uma lágrima que floresce

Fraca

Há meses assim: fraca.

Sem ânimo, sem rumo, sem porto. Errante enquanto desvio das pessoas e uso máscaras.

De concreto: só uma quimera.

Como seria se tivesse sido? Como seria sem o vírus, sem a pandemia?

Vontade: quase nenhuma.

Dúvidas, medos: todos os dias.

Desejo minguado num corpo confinado por todos os lados. Sem poder gritar. Nem por justiça, nem por amor, nem por solidariedade, nem por piedade. A palavra vem à boca e se cala diante da ameaça.

Impotência e dor de garganta.

Uma vontade tão grande de abraçar, de proteger. Um medo de perder.

Dói: choro (verbo).

Choro substantivo de todas as vidas aqui não vividas, aqui dentro, aí fora. Choro pelas mortes, pelo descaso, choro por todas as mortes, mesmo as que se matam em vida. Um choro que vem da maldade que eu vejo nas pessoas. As injustiças sempre me causaram um mau enorme. Fossem feitas contra mim, fossem contra os meus, fossem contra os outros. Nunca soube lidar, nunca soube ignorar. Elas entram feito lâmina e me cortam, me ferem.

Tento me trabalhar pra não ser tão permeável e termino por sofrer em dobro: o desgaste emocional pra tentar ser forte e a dor da injustiça em si. Melhor assumir a fraqueza.

Talvez eu não esteja entendendo. Procuro olhar por outro lado, como quem vira a folha do avesso, como quem joga tudo o que tem na bolsa no chão pra tentar encontrar sentido, o que foi perdido, a chave do carro, a tranca de si. Em vão.

Mas é daqui. Daqui debaixo. Desse buraco que comecei a cair em março em queda livre. Uma pandemia atrás da outra, vários 7×1, como se somente uma Covid fosse pouco.

 

Mas é daqui, desse buraco de onde pouco enxergo, onde quase não ouço mais vozes e os motores todos engasgaram. É daqui que é preciso dar a partida depois de achar essa chave do carro perdida no escuro da bolsa. O caminho é longo. É preciso buscar faróis em rastros de vaga-lumes. Daqui me apego a futuros e tento içar esperanças em um terreno distante, por ora, infértil, árido, sem cor.

Daqui, de onde me vejo tão fraca e quase não me reconheço, eu me percebo em cactos, encharcada por dentro, tanto que transbordo. A lágrima que deflagra a fraqueza tanto que deforma o rosto, ela, a lágrima, parece ser o que me aguará para daqui a pouco reflorescer.

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2 respostas

  1. Hum dia vc vai reler o que escreveu e sentir como o sofrimento nos fortalece…. como crescemos com Ele…ruim é….mais passará e poderemos aliviar com palavras e gestos o de tantas pessoas menos favorecidas…. agradeceremos por este aprendizado afinal somos diferentes e especiais pois sentimos e analisamos nossas emoções. que os Anjos te protejam.😍

    1. Obrigada, tia! Sim, essa fase certamente nos trará muito aprendizado. Que possamos tirar algum ensinamento diante de tanta notícia ruim para sermos pessoas melhores e deixarmos um lastro bonito para as pessoas.

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