Hoje eu queria falar sobre...
Hoje eu queria falar sobre… Hoje eu queria escrever uma crônica bem densa, algo bastante elaborado, juntar acontecimentos do micro e do macro mundo. Pensar nas grandes causas, nas grandes lutas. Das mulheres, das mulheres negras, das mulheres negras e empregadas domésticas e do trabalho não remunerado da dona de casa. Eu queria falar das 100.000 mortes por essa doença desgraçada e relacionar mês a mês com o deboche do presidente de quem votou nele, porque meu presidente é que ele não é. Eu não faço nada que ele manda, aliás, faço tudo ao contrário e penso que assim eu estou no caminho certo. Eu queria falar de esperança sem ser cliché, eu queria falar de amor correspondido, eu queria falar que meu coração está em paz. Eu queria escrever uma poesia que abordasse um tema bom e rimasse coisas de amor, com sol e banho de mar. Queria falar de como o corpo descansa no teu colo, como eu esqueço de te beijar quando você me beija porque eu me perco. Queria articular o pensamento de um livro que estou lendo com a situação do Brasil nos anos sessenta e correlacionar com o contemporâneo. Queria falar sobre o que é ser contemporâneo e da alegria que é dividir o mesmo momento de vida com Chico, Caetano, com meu pai, com minha mãe e meu sobrinho. Queria falar das gracinhas dele que são inteligentíssimas, cheias de personalidade e de como é massa ver um ser humano se formando. Queria falar que farei uma viagem na semana que vem pra Paris, ou pra Sardenha, Maldivas, não importa, queria escrever sobre liberdade de ir e vir sem medo e sem máscara. Queria falar sobre a desigualdade social, de gênero e racial. Eu queria falar que fui na manicure fazer o pé depois de cinco meses e que a moça que faz massagem em mim veio aqui e que ela já pôde voltar a trabalhar, porque ela ama demais o que ela faz e deve estar sofrendo. Ela ama cuidar. Queria falar das pessoas que amam cuidar e de como tem gente egoísta no mundo. Queria falar da injustiça com as pessoas que trabalham sem carteira assinada e não vão poder se aposentar tão cedo. Queria falar de saúde e de celebração da vida. Queria falar dos planos pro Natal e Réveillon. Queria falar que vai ter carnaval sim e que Ele Não! Queria falar que minhas aulas vão voltar e que eu vou poder voltar pro Rio de Janeiro, pra sala de aula, pra vida que eu tinha escolhido em 2020.
Mas hoje eu estou exausta e não tenho condições de falar nada. Por isso eu escrevo. Escrever é o meu grito em silêncio – uma prima me mandou essa frase e eu acho que é isso mesmo. Corpo cansado de quase não se mexer, mas de sentir tudo isso (e mais) que eu não posso, não consigo, não tenho força pra falar hoje. Até semana que vem.