O barulho (ensurdecedor) do silêncio

Na academia do prédio onde eu moro tem uma televisão que sempre é imediatamente ligada pela primeira pessoa a chegar. Só que, hoje, a tal TV estava com problema. Eu cheguei primeiro e fiquei no silêncio, pois realmente prefiro. A segunda pessoa chegou e perguntou pela TV, a terceira pessoa entrou e tentou, em vão, ligá-la de toda forma, Já a quarta só sossegou quando a TV foi devidamente ligada, pois quatro pessoas sem muita intimidade e em silêncio é pra constranger e deixar qualquer um desesperado.

A inquietação é a mesma no elevador e insistimos naqueles comentários bobos que nada agrega, na vida de ninguém, como: “tá calor, hoje, né?”, ou avança para o “tá chovendo muito, né?”. Aí o interlocutor responde positivamente, pois ninguém tem muita paciência em argumentar sobre um assunto que só serve mesmo pra uma coisa: evitar o desconforto do silêncio.

Mas por que será? Porque precisamos sempre preencher um ambiente com palavras, ou sons? Por que, quando acaba o assunto, ficamos meio encabulados, olhando para os lados a procura de uma nova pergunta que, pelo amor de Deus!, nos salve daquele constrangimento? Por que os pais de adolescentes, ou mesmo os filhos, quando entram no carro, a primeira coisa que fazem é ligar o som, ainda que a ideia seja a de cochilar até o portão da escola? Pior ainda, por que, lidando com bebês, precisamos estar o tempo inteiro cantando, falando (com àquela vozinha diminuta chatíssima) e não deixando os coitadinhos que não conseguem pronunciar uma palavra curtirem os tédio deles, ou a descoberta de um mundo só seu?

Certa vez, ouvi não sei aonde, que a maior prova de intimidade que pode existir entre duas pessoas é o fato de conseguirem ficar em silêncio juntas, seja lendo, pensando, fazendo nada, apenas em silêncio. É difícil, né? Quem pensou que fosse o sexo a maior intimidade entre duas pessoas está redondamente enganado. Aliás, sexo pode significar intimidade zero. Somos capazes de dormir com uma pessoa e, no dia seguinte, sair correndo com medo da falta de assunto.

Do que fugimos quado não conseguimos nos expor através do silêncio? O que de tão assustados as “não palavras” poderiam revelar sobre nós. Será que, ao nos calarmos, um letreiro enorme surge em cima de nossas cabeças denunciando tudo o que estamos pensando: no amor, em outro amor, ou que odiamos àquele trabalho, ou àquela pessoa? Por que buscamos o barulho mesmo quando estamos a sós? É uma fuga de escutarmos a nós mesmos?

O silêncio nos obriga a pensar e a entrar com contato com nossos conflitos, nossa mediocridade, com nossa insatisfação, com nossa dor, nossas angústias, nossos medos. Tem muita gente que não consegue encontrar em sua própria companhia, a melhor de todas e simplesmente tem pavor a ficar só, a não ter ninguém pra conversar, pavor a ficar em silêncio. Essas pessoas não conseguem ir pra academia sozinhas, não conseguem fazer compras sozinhas, muito menos vão ao cinema desacompanhadas ou, a pior de todas, vão a um restaurante em companhia de si mesmas. 

Por mais contraditório que pareça ser, acredito que o barulho funcione como um escudo entre a nossa intimidade e o outro, ainda que terminemos por falar o que não queríamos sobre nós, ou sobre alguém quando começamos a falar compulsivamente para quebrar aquele estado de vazio. Qualquer coisa seria melhor do que não ter assunto naquela hora. Ficar quieto significa que você está pensando em algo, refletindo e, não sei por que, incomoda tanto.

São pouquíssimas as pessoas com as quais se consegue este nível de intimidade de simplesmente ficar em silêncio. Com a mãe, talvez, com o marido… Ou seja, com alguém que te conhece muito e porque você não se sinta ameaçada. O silêncio é uma ameaça.

Juro que têm vezes nais quais tenho vontade de dizer pra criatura do lado que ela pode ficar calada, pois vou fazer de conta que ela nem está ali, não olharei, não julgarei e nem pensarei nada sobre ela, só quero, por favor, que ela fique em silêncio, pois tenho mil coisas pra pensar e organizar na minha intimidade, e os meus tempos livres – no elevador, por exemplo – são preciosos.

A palavra é de prata e o silêncio é de ouro, já dizia a minha bisavó, e é com esta frase que eu levanto a bandeira do Silêncio! Se você não tem nada de interessante pra dizer, fique calado. A gente anda falando demais, pelos quatro ventos, pelas redes sociais, pelos grupos de whats app, e, sinceramente, estamos deixando de nos ouvir de verdade, estamos deixando de ouvir quem mais pode nos ajudar: a gente mesma.       

Você também pode gostar

ainda estamos aqui
ainda estou aqui
Luciana Targino

Ainda estamos aqui

… Lembro-me de que quando li o livro, tive a sensação de estar lendo algo sobre meu passado, sobre uma história muito difícil, sofrida, mas passada…

Leia Mais »

Deixe aqui o seu comentário

Respostas de 5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *