O quarto de memórias e novas histórias

Dza séria série: fui eu quem fiz!!!

O quarto de memórias e novas histórias

Aos nove anos de idade, nós mudamos de endereço. Meu novo canto tornou-se um lugar só meu, não precisava mais dividir com o meu irmão – apesar de que, quando eu ficava com medo de extra terrestre à noite, eu corria pro quarto dele, ou pro da mamãe pra que os monstros se acovardassem e fossem embora.

Meu novo mundo era todo cor de rosa, com uma almofada imensa de babados como o das princesas. Princesa que eu acreditei ser e que, mais tarde, ainda bem, eu vi que não era bem isso e que não queria mesmo sê-la.

Papel de parede e escrivaninha com gaveta. Sim, eu tinha tudo o que precisava aos nove anos pra me sentir dona do meu mundo, livre e, pela primeira vez, tive a noção do que é ter um lugar.

Calma, não que antes eu não tivesse, nunca passei por necessidades. Mas é que era novo, era só meu, era muito mágico. Eu nem acreditava.

Com o tempo, o quarto de princesa passou por uma reforma para se transformar no de uma jovem pré-universitária e, logo depois, universitária de fato. A reforma contemplou os novos desejos da jovem mulher que, a essa altura, já tinha descoberto que o mar é o melhor lugar do mundo para se estar.

Uma estante que imita as ondas, prateleiras idem e puxadores de gaveta em lua e estrela, mostrando, de certa forma, que a gente carrega sempre um ar infantil…

Lugares para guardar os livros, pois a vida estava ficando séria. Nesse tempo, a moça já não tão mocinha, mas quase adulta, não tinha descoberto que os livros, apesar de parecerem distantes e sisudos, são, na verdade válvulas de escape para outros mundos e que, sem eles, a vida seria um tédio.

Foram anos nessa morada até vir a primeira partida. Um ano e meio cursando um mestrado fora e um bom período dividindo quarto com a tia mais amada em uma casa onde morávamos sete pessoas. E como fui feliz! Camaleoa, penso, me adapto rápido onde tem acolhimento e afeto.

A essa altura, já acontecia um namoro sério e a adulta pouco queria estar em seu quarto. A urgência das paixões a levava para os braços dele, uma necessidade de romper com a infância de vez e crescer… Talvez fosse isso, ou não, talvez só a paixão mesmo.

Daí veio o casamento e seu quarto já deixou de ser seu para ser “o meu quarto na casa da mamãe (e do papai, claro, mas as mulheres imperam por aqui :))”. Mal o frequentava, olhava pra ele com certo distanciamento, ele, o quarto, já não tinha mais a cara dela e nem de ninguém. Quase que um depósito de memórias, mas que sua mãe fez questão de mantê-lo limpo e intacto, como se previsse…

Não sei porque estou falando de mim na terceira pessoa, coisa estranha! Mas, já que comecei, vou continuar.

Anos depois, depois do casamento, ela voltou. Na verdade, ela foi voltando. Pra passar temporadas, pra passar alguns dias que tinha de folga da nova vida que escolhera no Rio de Janeiro.

Um belo dia ela voltou de vez. Quer dizer, “de vez” é tempo demais para uma vida ainda com tanto a acontecer. Mas ela voltou. Viera para o mesmo quarto com a mesma cara de antes, de uma juventude que não a pertencia mais.

A mulher tentava se enquadrar naquele espaço que já não dava mais conta do acúmulo dos últimos tantos anos tão intensos e bonitos, permeados, claro, por vivências tenebrosas.

As roupas não cabiam direito, nem as bolsas dentro do armário. Os espaços tiveram de ser conquistados e disputados à tapa com as recordações em forma de objetos, cartas, recortes, fotos, etc que a dona não consegue se desfaz, como se quisesse guardar toda pulsão de vida pela vida toda.

Foi dando o seu jeito. E, aos poucos, os novos desejos, gostos e vontades dão tom a um canto que todos estranham, pois, morar com os pais aos 38 anos é condenável por uma sociedade que brada INDEPENDÊNCIA ou MORTE.

Pois concluo o seguinte. Quarto é uma metáfora, um simples espaço entre quatro paredes que diz bastante de nós e que guarda um tanto do que fomos. Quarto é um pedaço de lar dentro de um lugar que você precise se sentir em paz. Não há nada que me dê mais paz do que poder ver meu pai e minha mãe todo santo dia, de poder conversar, abraçar, gargalhar, discutir, sentar junto pra comer, pra ver televisão, enfim, para nos acomodarmos uns aos outros como quem se acomoda a um quarto que vai mudando de cor, de jeito, de cara, mas a essência toda permanece.

Hoje dei uma nova roupagem a meu quarto, esse que já foi de princesa e hoje abriga uma mulher meio bruxa. Chico e Vinícios velam meu sono e tumultuarão meus sonhos que já são pra lá de férteis. Quadrinhos que fui ganhando vão contando minhas nova histórias a partir do que o outro pensa de mim. E é tão bonito de ver. Por fim, uma frase de meu avô que fala do tempo, do passar destruidor do tempo e que me lembra da urgência de aproveitar esse tempo e da potência que cada tempo tem.

Quarto acomoda, consola e protege. Quarto é colo. Quarto é útero.

P.S.: Vou ficar devendo uma foto do meu quarto narrado nesta crônica :). Tô no Rio, no meu outro espaço que já foi de tantos e que hoje me acolhe sempre que tô por aqui. Os quadrinhos que decoram a parede e que estão na foto, fui quem pintei :).

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2 respostas

  1. “Quarto é …lar …que vai mudando…
    abriga…acomoda, consola e protege.
    Quarto é colo.
    Quarto é útero.
    Um belo dia ela voltou de vez… Mas ela voltou.”
    Que preciosidade!
    PS. Seus quadros são característicos…mas a estética do seu blog merece 👏🏻

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