O que dizem teus olhos

“Esse seu olhar
Quando encontra o meu
Fala de umas coisas que eu não posso acreditar…” (Tom Jobim)
Para mim, ainda não inventaram uma linguagem mais clara e universal do que o olhar. E para a minha mãe também, tenho certeza.
Desde que sou pequena, a dona Vânia (a mulher mais incrível da minha vida, minha mãe) me lê nos olhos.
– Minha filha, você está com fome!
– Como assim, mãe? Não falei nada!
– Seus olhos, eu conheço!, caidinhos assim, isso é fome!
E assim é uma vida inteira de análise via meu olhar. Através do dela encarando o meu, ela sabe se estou triste, ansiosa, aprontando alguma, escondendo algo. É assim comigo, com meu irmão e meu pai, basta a gente entrar em casa que ela, com seu jeito doce, nos diagnostica.
Falo através da visão com minhas duas melhores amigas. Basta aquele olhar de rabo de olho pra gente começar a rir, a se preocupar, a se proteger, a socorrer umas as outras. A gente se conhece pelo olhar.
Porém, há quem passe uma vida inteira juntos e não consiga estabelecer esse canal que é de pura intimidade, empatia e que não depende do tempo de convivência, mas da entrega.
Já diziam os mesopotâmios: “os olhos são as janelas da alma”. Sábios os politeístas das terras entre rios, pois é no olhar onde está a nossa maior verdade.
É no olhar que não disfarçamos uma paixão arrebatadora, ou o fim de um amor. São nossas lentes que nos deduram se estamos satisfeitos ou frustrados, livres ou acuados, felizes ou maltratados.
É com os olhos a nossa primeira defesa. Fechamo-os diante de uma cena triste, ou nojenta. As crianças tapam seus olhos quando querem que ninguém as veja, pensam, de olhos fechados, estar escondidas do mundo.
Contudo, é com o mesmo olhar, ou com o fechar dele, que nos entregamos, que nos desvendamos e nos desnudamos diante de um prazer. Fechamos os olhos ao gozar, seja de um jantar delicioso, de uma doce lembrança, ou na cama com quem se quer. É numa conversa de pertinho, olho no olho, que os maiores acordos são tratados, políticos ou amorosos, tanto faz, nos olhamos nos olhos antes de decisões importantes. A gente fala e encara que é para tentar extrair lá de dentro, através dessa janela sincera, a verdade daquelas palavras.
Os cegos se refugiam no escuro e encontram seus mais lindos cenários, criam suas memórias baseado no que imaginam ao tocar, sentir, cheirar e ouvir. O olhar pode existir até para quem não vê. Olhar é metáfora e pode não ter nada de real.
E é com a lembrança de um olhar profundo, daqueles que se reconhece alguém que você, muito provavelmente, conheceu em outras vidas, que eu encerro essa crônica cega de encantamento e com uma pergunta que não quer cegar:
O que dizem teus olhos?

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