O que é que você tem a ver com a minha vida? Muita coisa, eu espero.

O que é que você tem a ver com a minha vida?
Muita coisa, eu espero

Hoje, lendo Carpinejar pelo Instagram – gosto de folheá-lo vezenquando – me deparei com um de seus desejos pós quarentena que dizia algo sobre querer ir pra um bar com os amigos e se deixar saber pela memória dos outros.

Pensei em ontem. Quer dizer, pra você que me lê na terça, vai ter sido anteontem. No domingo organizamos uma festa de aniversário virtual com a minha família inteira. Ali, boa parte das minhas tias, primas, primos, sobrinhas e sobrinhos, gente daqui, de Brasília e até da Alemanha e do Canadá.

Pelos quadradinhos antes tão profissionais e, agora, tão cheios de afeto do Zoom, essa plataforma virtual que anda atenuando as saudades, ali, por uma tela fria de computador, pude ver rosto dos meus e, de certa forma, me vi em seus rostos.

Cada sorriso, a vontade de querer saber como cada um estava, o falatório, uma botando ordem, eu lendo uma homenagem, outros mais calados vendo a bagunça, uns falando mais, uma criança dava língua pra câmera e um sobrinho chamava o pai que estava do outro lado da América esperando por ele que ficara de ir no dia 12 de Abril.

Ontem, depois de um mês sem ver nada além do que tem minha casa, salvo as ligações de vídeo para tentar não perder o crescimento do meu Nelsinho nesse período que se estende por décadas no qual as crianças foram apartadas dos avós, pois bem, ontem eu percebi que eu sou fragmentada, ao mesmo tempo que sou imensa.

Nós somos formadxs pelas pessoas que nos atravessam e nós as formamos também. Não só com exemplos, lições, mas com trejeitos, com manias, com as formas de falar. Somos formadxs pelo que não concordamos, pela raiva, pelas brigas e pela vontade de estar perto, pelas viagens compartilhadas, pelas férias que passávamos juntas, pela sala de aula e a carona que dividíamos para ir ao colégio. Somos formadxs pelas nossas conversas sobre paqueras, formadxs pelos conselhos e consolos depois de um amor que se foi. Somos formadxs pelas dicas de dieta, pela receita de como ficar mais jovem, somos formadas pelos filhos da gente, pelos sobrinhos que vêm ressignificar tudo e você fica muito mais atenta aos perigos – nos quais as crianças se metem rsrsrs – e às delicadezas do mundo que só as crianças nos mostram. Nós somos formadxs por pessoas 

E é por essas pessoas que a gente também sabe da gente, como bem disse Carpinejar. Dia desses teimei com uma prima cuja memória é de elefante que eu não havia ido pro sambódramo em 2007 com ela. Pois ela catou a foto e lá estava eu, numa lembrança que é mais dela do que minha, pois eu mesma não me lembrava. Bem como, conto coisas delas, das quais participaram, que, por algum motivo não mereceu registro em suas memórias e na minha foram marcantes. Como àquela corrida em volta da casa na qual eu sempre era a última, como àquela brincadeira na casa da tia Zena seguida de lanche com bolo de chocolate e suco Tang, como quando comíamos laranja descascada por nossas mães na praia, ou mergulhávamos no mar de Flecheiras com tênis velhos para não cortamos os pés.

Lembranças aparentemente bobas, registro de um dia de sol, ou de uma chuva que acalmava, banalidades que contam de uma história nossa a qual não podemos contar, pois não nos lembramos mais, ou, se lembramos, perdemos alguns detalhes, mas que, quando alguém aparece pra dizer do que se lembra de nós, é como se aquele passado ganhasse cor, ganhasse memória, ganhasse história e, por fim, uma nova vida em nós..

A memória é uma ilha de edição, está aí a Psicanálise que não nos deixa mentir, portanto, deixar-se perder por horas numa conversa com os nossos para, ali, resgatarmos um pouco de nós mesmos realmente me parece um dos melhores convites no pós quarentena.

Abraçar essas pessoas, estar junto, brindar com elas, ouvir música que quando toca a gente diz eeeeeiiiiiitaaaa a tua cara. Reencontrar essas pessoas depois do confinamento vai ser mais do que matar as saudades delas, vai ser matar um pouco da saudade que estamos de nós mesmas, porque não somos feitas apenas de corpo, somos alma e a nossa alma, ela é feita das nossas multidões.

Aqui fica o meu abraço apertado virtualmente a cada um de você que de certa forma sou eu também.

Fiquem em casa. Cuidar de você é também cuidar de mim.

Com amor, 

Lu

Você também pode gostar

Deixe aqui o seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.