Os afetos que nos formam

Os afetos que nos formam

Como os piscianos, eu sou muito afetuosa. Não, eu não sou pisciana, tampouco sou ligada em signos, apesar de adorar ouvir as pessoas sentenciando sobre nós a partir do zodíaco. Talvez já seja até uma característica do meu signo isso de não ser ligada em signos, mas ligada nas sentenças que as pessoas dizem dele. Sou virginiana e dizem que sou crítica e, pior que isso, autocrítica (sim, sou absurdamente autocrítica).

Como eu ia dizendo e enveredei por outro caminho – uma anticaracterística do meu signo que, segundo consta e me contam, eu deveria ser super organizada. Sou não. Me perco, mudo de rumo, não tenho a vida toda programada e meu quarto não é lá essa “virgianice” toda. Mas como eu ia dizendo, sou pouco ligada em signos, mas absurdamente ligada nos afetos, assim como são os pisciano, dizem.

Comecei a escrever esse texto depois de ler um post lindo da Carol Burgo no instagram falando sobre os piscianos, os afetos e o conselho de uma amiga (amiga dela, a qual, lançou um livro que já me fisgou pelo título: “Primeiro eu tive que morrer“. Têm títulos de livros que já valem o livro. Parece um livro já. A partir do título você já consegue criar uma novela inteira na mente. São aforismos, são microcontos, uma poesia e tô falando só do título. Outro exemplo é de um que um amigo me falou semana passada: “Para o meu coração, num domingo”. Gente, qual o coração que não precisa de um afago num domingo?).

Três longos parágrafos e até agora “necas” de eu falar o que pretendia falar quando abri este computador num domingo à tarde quando, surpreendentemente para o dia e o horário, eu pareço estar em bem. Eu queria falar sobre os afetos.

Sempre me senti meio deslocada em meio aos meus. Não sei ao certo por quê, mas era como se eu não estivesse que estar ali, como se eu não fizesse tanta diferença, como se não gostassem de mim. Não, nunca me destrataram, ao contrário. Mas era a minha sensação, uma questão que me acompanha desde bem nova e até hoje.

Somente há pouco tempo – eu costumo dizer que a vida me “reaconteceu” aos 35 anos – eu percebi que os sentimentos e as emoções, elas podem e devem encontrar espaço pra fala, pro abraço, pro choro, pra raiva e, principalmente, pro carinho, pro cuidado, pro amor. Cresci em uma família numerosa, um monte de netos pra uma única avó, uma ruma de sobrinhos para os tios e, no fundo, acho que eu sempre busquei colo, colo mesmo, de abraço, de ficar conversando, de ser dengada… Minha mãe me dengava tanto em casa (a família da mamãe é mais de dengo, mas moram no Rio, onde eu também moro, lá e cá, dando asas a esse coração sem casa, mas cheio de lar) que eu, sem saber, buscava dengo no mundo. Mas, imagine, com uma ruma de gente, não era assim que era. 

Quer dizer, pensando bem, descendo na memória até a camada da infância, era, mas era carinho de outra forma. Era carinho de casa sempre aberta, era carinho que levava a gente pra chupar picolé, que nos dava bolo com Tang na hora da fome desesperada. Era um carinho que permitiu que umas trinta crianças passassem toda a infância juntas, as férias juntas numa praia que nos era o paraíso. Carinho de avó que tinha uma ajudante que fazia sanduíches em escala industrial pra aplacar a fome de um batalhão. Avó que permitia os netos todos sentados no chão da casa frente a uma TV. A casa da vovó era como se não tivesse porta. Era pedaço da gente. Um tipo de carinho que matriculou a todos nós na mesma escola, um carinho que garantiu, desde cedo, que nunca estivéssemos sós e que sempre fomentou a união e presença de gente, muita gente. Carinho de tia que manda canção de Chico Buarque, da outra que manda brownie, da outra que me acolhe na casa dela feito filha e das irmãs que tive a sorte de conhecer com zero e três anos de idade. Carinho de tio que nos deu um cachorro, da prima que me dengava bem muito (sim, eu tinha dengo) e que me deu três afilhadas. Carinho das que ligam pra brigar, pra consolar, pra puxar pro prumo… Enfim, toda a forma de carinho.

Realmente, não há demonstração maior de afeto bom, de amor, do que essa que eu recebi da minha família e recebo até hoje. Acredita que uma tia me cedeu a casa dela pra eu passar a quarentena e proteger meus pais das minhas raras saídas? Se isso não é amor, meu bem, amor não existe nesse mundo.

Pois bem, o texto já está imenso e eu, que elaboro os afetos pela escrita, que depois de lançar tudo num papel, ou nesta tela, passo a enxergar melhor o mundo, meu mundo, eu acabei de perceber que eu ia falar de sensação de não ter lugar pra colocar meus afetos, mas acabei de constatar que eu vivi em meio a tanto amor, era eu que, pequena, não conseguia elaborar que tudo aquilo onde eu estava imersa era, na verdade, o maior abraço do mundo. Vou pedir alta na terapia. 

Sim, eu sigo sentindo esse vazio que faz parte de uma personalidade nostálgica e afetuosa que cambaleia nesse corpo que busca se acolher, mas se escapa sempre.  Vazio que é preenchido com as mais sutis manifestações de carinho. Posso dizer que ando mais cheia do que vazia e que, na vida, até agora foi assim.

Outro dia eu tento entrar mais no que eu queria dizer e já disse, porque mudei de opinião feito essa metamorfose ambulante de Raul.

Beijo com todo meu carinho para todos os meus e pra vocês e pro seus.

Lu

P.S.: O meu corretor ortográfico assinala as conjugações da palavra dengo como errada… Sabe de nada, ele. 🙂

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