Pequenos lares

pequenos lares

Tenho um hábito, talvez seja um hobbie, enfim, uma coisa dessas que a gente ama fazer, que é dar sabor ao meu trabalho. Como? Comendo (rsrsrs).

Mas não só. Não é me enfiando numa barra de chocolate dentro de casa enquanto meleco o teclado do meu computador, não é bem isso. O que eu amo é sair de casa para trabalhar, estudar, ler, enfim, escrever em algum lugar.

Nem sei como isso começou, talvez vendo pessoas fazerem o mesmo e fui me encantando, fato é que achei bem mais produtivo e gostoso escrever por aí do que confinada dentro de casa.

Acontece que, para que não haja uma perda de tempo útil na escolha do local, este – ou estes, pois tenho mais de um em cada porto, no caso, entre Fortaleza e Rio de Janeiro, minhas duas moradas – este local deve ser conhecido e atender a requisitos básicos: ter o que eu gosto de comer, ter wi-fi gratuito e que preste e, como um plus ter tomada pra recarregar o computador. Tendo isso, eu me sinto em casa.

Sempre vou pra comer, claro, pois não posso ficar ocupando um lugar sem consumir um mínimo e geralmente eu só como a mesma coisa. Em cada lugar, as garçonetes e garçons já sabem o que eu gosto e o jeito que prefiro, no que me recebem: Vai querer o de sempre? Vai querer o mesmo?

Sim, respondo já me abancando numa mesa habitual e tirando os sapatos para cruzar as pernas em cima da cadeira.

Lar doce (literalmente) lar. Pequenos outros lares que fui e vou criando fora de minha casa, mas onde me sinto acolhida, abraçada, protegida e, melhor de tudo, onde me sinto em casa. Talvez por estar por muito tempo sozinha, talvez porque o trabalho de escritora, ou de doutoranda seja um trabalho muito solitário, precisa de muita reflexão, conversa comigo e, pra não me sentir sozinha, vou espalhando-me em novos lares que crio para mim.

Onde você se sente em casa, além da sua casa?

Penso que novos lares, esses espaços estendidos de nossas casas pode ser em tanto canto, pode ser em alguém, digo, com alguém com quem você, onde quer que esteja, se encontrar pra conversar vai se sentir dentro de um abraço. Pode ser num abraço, pode ser numa cidade, num bairro, numa livraria, cafeteria… São muitos os lugares dos quais fazemos nosso canto, nossa casa e, assim, não padecemos perdidos quando longe do que reconhecemos como nosso. Nosso chão.

Interessante que Zélia Gattai, quem estudo em meu doutorado, fez de seu lar tantos lugares, dos mais frios, aos mais bonitos, ela sempre buscou acolhimento, muitas vezes sendo ela a pessoa que acolhia. Certamente Zélia fora lar de muita gente. Gente que, como ela, fora exilada de seus lares e obrigada a fazer morada em outras paragens, distantes, distintas, mas que, da forma que ela retrata, sempre deu-se um jeito de fazer com que, fosse em Paris, ou Dobris, no quarto de um hotel, num castelo compartilhado por outros exilados, fosse onde fosse, ali era colo, era casa.

Toda casa que é colo vira um lar. Todo canto que acolhe pode virar lar também.

Meu pai disse que isso é mania de francês, coisa de escritor. Sim, tem tudo a ver. A crônica nasceu juntamente da observação das ruas, da pessoa do flaneur, esse que sai por aí perambulando, colhendo fragmentos de cotidianos que as pessoas nem percebem que deixam cair no chão. Pra escritora que vos fala, esses restos são joias, são o que alimentam tudo isso aqui que você lê.

É bom isso, sentir a rua como sua, um outro lugar como seu, assim você vai, mas se mantém por perto. Perto de não sei bem o quê, mas talvez aquilo que se remeta ao cordão umbilical, como se, ao criarmos laços fora de casa, de alguma forma nos sentíssemos perto de nossa mãe, de nosso pai, como se, mesmo de longe, em energia eles estejam ali com você, nesse novo lar, nesse pequeno lar, nesse entrelugar construído metaforicamente por você, com sua mesa cativa, seu menu favorito, que fica localizado entre sua casa e o mundo. Que fica num endereço bem dentro de você, compartilhado com desconhecidos que vêm e vão e você, gentilmente, abre “seu lar” para se sentir aberto à vida, no meio do mundo.

Onde ficam seus pequenos lares nesse mundão? Quem sabe a gente se encontre e se sinta em casa no mesmo lar.

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