Precisamos parar

precisamos parar

Fazia meu treino muito compenetrada e cronometrada na praia do Leblon, quando uma mulher de seus quarenta e alguns anos me interpelou:

– Posso interromper a sua caminhada um instante?

– Eu, com um ar entre “ai que saco!” e “o que me custa, né?” fingi um sorriso no rosto e disse: – claro!

Ela prosseguiu:

– Você pode tirar uma foto minha? É que eu estou saindo de uma depressão e quero mostrar para as pessoas como eu estou bem. Há três meses eu tentei o suicídio…

Disse-me ela buscado a câmera do celular com as mãos trêmulas.

Eu, refeita do susto e com um sentimento de culpa por ter achado um saco parar a minha caminhada, mas de alívio por ter parado a caminhada, àquela altura da conversa, já dizia para a criatura:

– Que bom que você está aqui. Vira mais pro lado do Morro Dois Irmãos pra foto ficar melhor. Agora vira assim, agora vira assado…

Ela ficou feliz, grata e eu fui invadida por um sensação da qual eu já sou ciente, mas que não custa lembrar: a gente precisa parar!

Parar! Parar para as pessoas, parar para as coisas simples do dia a dia, parar para brincar com uma criança, parar para entrar no mundo da fantasia de uma criança. Parar para ouvirmo-nos a nós mesmas. Parar para ouvir pai, mãe, avô, avó. Parar para ouvir a mesma história mil vezes, se aquilo faz bem para quem te conta. Parar para ouvir a amiga por uma hora ao telefone, pois, enquanto ela desabafa, ela organiza os pensamentos e os sentimentos dela. Por vezes, nem é preciso falar, o outro só precisa que você pare e olhe pra ele.

Fiquei me perguntando que efeito negativo eu poderia ter causado à moça que tentou se suicidar e, naquele momento, parecia querer abraçar o mundo de novo. Que efeito contrário isso poderia ter lhe gerado se claramente ela ainda não estava tão plena assim?  

Se a gente que está bem, ou mais ou menos bem, quando recebe uma negativa, uma resposta atravessada, principalmente quando a gente estava desarmada e sendo gente boa, se quando a gente recebe uma “patada”, a gente fica mal, a gente amofina, você imagine quem não estava tão bem há bem pouco tempo.

Desse breve encontro eu saí mexida. Fiquei me questionando quão mal ou quão bem a gente pode causar a alguém com nossa fala, com nossos gestos. Pensando no quão destrutivo um ser humano pode ser quando se é egoísta, quando falta empatia, quando se é grosseiro com alguém.

Fiquei pensando que a vida exige muito que a gente se mantenha no prumo, pois as adversidades são tantas… Quando mais nova, eu achava a vida leve, fácil… Hoje, depois de muitas e péssimas bordoadas que levei, de gente que jamais pensei, eu me policio ainda mais para não ser essa fonte de coisa ruim a causar sofrimento em alguém.

Muita gente vai dizer “não liga pra isso, não”, “deixa isso pra lá”, “esquece” quando você comentar que Fulana ou Sicrana te ofendeu. Eu não, mesmo eu sendo uma pessoa de perdão fácil, prefiro me deter por um tempo àquele sofrimento, deixar que ele tome as formas que precisar tomar em mim, desde raiva, mágoa, tristeza. Não sei fugir disso, não sei fingir que não é comigo. Se tento não pensar, a pessoa que me ofendeu me vem em sonhos, várias vezes, como se meu inconsciente me dissesse todo tempo que há uma ferida ali que não sarou.

Talvez nem sare. Há feridas que não saram mesmo, que nem são para sarar porque o dano foi grande demais. Uma morte precoce, a saudade de uma mãe, de um filho… Tipo de ferida que jamais sara. A mágoa de uma pessoa querida que te fere também não sara, pelo menos não sem os reparos devidos, como um pedido de desculpas, por exemplo.

Ninguém passa por essa jornada sem deixar algum rastro. O esforço, penso, é para que sejam vestígios de coisas boas, que possamos ser lembradas brotando sorrisos nas pessoas e não sentimentos ruins.

Espero que eu tenha acolhido aquela mulher que me interceptou no meio de minha caminhada cronometrada daquele dia. Tomara que meu sentimento de “ai, que saco!” tenha sido suplantado pelo sorriso que dei para ela. Que ela, ao olhar para as suas fotos felizes, se lembre de que foram tiradas por alguém que, naquele momento, parou o seu dia para olhar com atenção para ela.

Acho que a vida passa por aí, por podermos parar de vez em quando. Caso contrário, podemos muito bem ser atropelados por alguém que não pare por nós.

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