Respeitem os meus fios brancos!

Escrevo esse texto com o coração apertado. Dói esse troço de envelhecer.
Primeiro é a pálpebra que vai perdendo sinais de firmeza. Na hora de passar a sombra no olhos, ela faz jus a seu nome, pálpebra móvel e vai pra lá e pra cá, a danada.
Respiro fundo pra continuar o texto, como eu já disse, dói, ainda mais compartilhar isso em forma de fraqueza, pior ainda.
Aí começam a aparecer os primeiros fios brancos. Te pegam de surpresa os desgraçados. Quem os nota nem sempre é você primeiramente, mas suas melhores amigas. Elas vão lá, num gesto de pura solidariedade, e o arrancam. É o começo do fim. O meu primeiro foi flagrado aos 29 anos.
Você começa a arrancá-los antes de começar a pintar, isso sim, um caminho sem volta. Ainda estou na fase mais selvagem mesmo, minha mãe arranca o que vê, mas toda vez que vou no salão tenho medo do veredito das cabeleireiras. Nem puxo conversa que é pra não ouvir: Mulher, tá bom de você começar a fazer umas mechinhas pra disfarçar, né? É de morte!
Contudo, parei pra pensar e começar a aceitar que não envelhecer é morrer cedo. Não dá, já que quero chegar bem aos 120, terei de me acostumar.
Então resolvi lançar mão da visão Pollyana, que só vê o lado bom das coisas.
Tenho 33 anos e alguns (poucos, ainda) fiozinhos brancos que representam a estrada que já percorri. Não é curta, essa estrada, não é como ir daqui pra casa da amiga, é uma viagem já. Nacional ainda, mas uma viagem. A internacional, metaforicamente, será nos meus cinquenta, acho.
Meus fios brancos me lembram a infância linda e divertidíssima que tive com meu irmão e primos que moravam todos no mesmo prédio que eu, estudavam na mesma escola, mesmo curso de inglês e passavam todas as férias comigo nas nossas casas de praia, uma pertinho da outra. Ainda tinha a casa da serra, que era só uma, então, a gente amava ficar ainda mais perto.
Meus fios brancos me lembram o quanto eu convivi com meus pais que ainda vendem saúde e que me deram e dão o seu melhor. Atualmente, a gente se cuida, eu deles e eles de mim.
Meus fios brancos me lembram as amizades que fiz antes dos 20, as farras, os feriadões juntos na casa de um ou do outro, as madrugadas adentro com papos que tentavam resolver os problemas do mundo (do nosso, pelo menos) os primeiros porres, os show, as paixões, os ficas, os “amassos”, a expectativa se ia dar namoro… Uma delícia!
Lembram-me do primeiro amor, primeiro beijo, primeira decepção amorosa, primeiro final de namoro. Lembram-me dos muitos namorados que tive e outros tantos que já nem me lembro mais. Das noites incríveis, dos jantares a dois, dos botecos, dos jogos de sinuca, das viagens.
Meus fios brancos me lembram da primeira ida à Europa, uma jovem querendo morder o mundo. Lembram-me de todas as outras idas encantadoras.
Meus fios me lembram que já tenho até mestrado e que já morei no Rio de Janeiro, lugar de onde minha alma nunca saiu, e em são Paulo.
Lembram-me que já gostei de música sertaneja, de forró e que hoje em dia sou louca pelo Chico Buarque (isso o fio branco traz, refina nosso gosto).
Meus fios brancos, portanto, me lembram de que eu já tenho uma história pra contar, cheia de pormenores, mas que ainda tem muita coisa para viver, afinal, são apenas alguns fiozinhos em meio a minha juba capilar.
Chega de lutar contra eles, até porque não tem jeito. Sim, minha mãe vai continuar arrancando os miseráveis. Acho que não terei a elegância e nem a coragem da Christine Lagarde para assumir a nuvem de prata, quando ela chegar. Agora é torcer pra que os malditos não proliferem igual a praga em plantação e para que eu tenha puxado a genética da minha avó, que permaneceu com a cabeleira preta até os 80. Linda!
E para as cabeleireiras e afins que reparam em tudo, como eu: respeitem os meus fios brancos!

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4 respostas

  1. Lu,
    Estou numa fase que a vida realmente me mostra como dói envelhecer.
    Ahh não podia deixar de comentar. Minha mãe as vezes quando tem que chamar minha atenção para o mundo real ela fala : minha filha não fica com essa síndrome de Pollyana não!” hahahahahahahahhha

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