Rio, eu (ainda) te amo – 1 ano depois

Querido Rio,
Há exatos um ano eu cheguei aqui de novo, eu te escolhi para minha morada de novo e sem data pra retorno. Dia 22 de Agosto deixei minha casa, um casamento e trabalho. Essa escolha envolveu, e envolve, também ficar longe dos meus pais, do Nelsinho, dos meus. Não é fácil, Rio.
Durante esse tempo já entrei numa graduação e saí, fiz um monte de cursos na minha nova área de interesse, foram ótimos e pensei que algumas coisas seriam mais fáceis, ou mais rápidas… Quer dizer, nem sei se pensei.
De perto, Rio, tu és diferente do que te pintam no cartão postal. Tua cara é sisuda de vez em quando e tu fechas muito o tempo. Como chove aqui, como tem dias cinzas também.  Tua gente é fechada, difícil de se enturmar, de se entrosar, de ser acolhido. Cada um vive por si em ti, ainda que democraticamente na beira do mar. Por sorte tenho família e uns poucos amigos da vida.
Existe solidão no Rio de Janeiro, assim como existe amor em São Paulo.
De 2008 pra cá você deu uma dengrigolada, Rio, que é de se lamentar. Sabe aquela pessoa que de tanto ser castigada dá uma envelhecida que todo mundo nota? Pois és tu. As pequenas normas de bons costumes que em ti existiam foram abolidas e o teu povo te desrespeitou. Agora, pode ter cachorro na praia, pode jogar frescoball e embaixadinha (altinha), antes  das 17h na beira do mar importunando com uma bolada e outra quem quer apenas relaxar e pior, o povo agora escuta música alta em pleno posto 10, 8, 12, tornando a ida à praia uma tormenta de vez em quando.
Sempre soube dos problemas da Zona Norte, o que lamentava, mas achava que era algo bem distante do que acontecia por aqui na tua famosa Zona Sul. Costumava dizer para as pessoas que onde eu morava era muito tranquilo que nada acontecia a não ser pequenos furtos… Mas teu povo anda morrendo até na badalada área nobre da cidade. Assaltos com fuzil e metralhadora em plena Santa Tereza, Rio? Foi com a mãe de uma amiga minha, não foi a Globo que adora te detonar que me contou não.
Teu povo tá pobre, Rio, tu não pagas funcionário, a saúde tá sucateada e falta até antibiótico em hospital. De novo, num foi a Globo, foi minha tia que é médica quem me falou. E como tem mendigo na rua, meu Deus! Ando pelas calçadas desviando deles que estão dormindo às nove, dez da manhã. Não julgo se são drogados ou não, porque a situação é tão precária mesmo que não fossem… São famílias, é muito triste.
Mas Rio, cara, eu ainda te amo. E como eu te amo.
Eu acho até que estou começando a trocar de estágio, de paixão para amor, pois o amor aceita os defeitos.
Quando tu resolves sorrir, Rio, quando quer mostrar tua beleza não tem pra ninguém.
Teu astral é lá no alto, teu cotidiano é alegre, teu comércio de rua que faz essa gente toda ocupar a cidade dia e noite, essa gente calejada com humor afiado pelas dificuldades, que não leva desaforo pra casa e que é o que é na forma mais autêntica que eu já vi o ser humano ser.
Amo as amizades poucas que construí aqui e aprendo como é importante a gente se abrir pra que as pessoas possam entrar em nossas vidas. Como é importante pedir colo e como é bom ganhar esse colo.
Teus bares, Rio, que lugares. Os intocados, os arranjados, os novos, os antigos botequins, o povo parado na calçada pra brechar o jogo e os gritos de gol que dá pra escutar da lua. Que festa!
Tua cultura, Rio!!! Quanta coisa linda eu vi aqui nesse último ano. Peça do Orson Wells, vi Geraldo Azevedo, Elba e Alceu, Marisa Monte e Pulinho da Viola, vi Edgar Duvivier mil vezes. Filmes incríveis no cinema, vi gente nova se lançando, vi gente se descobrindo na tua arte, Rio, porque tu respiras arte. Rio, você é uma obra de arte.
Estar aqui me faz entrar em contato com um lado meu que transborda, um que eu não dou conta e nem conheço direito, mas você me desafia a me encontrar e eu tô penando, mas estou adorando.
Teus sambas… Ah, os sambas. Do Trabalhador, da São Salvador, do Quizomba e do carnaval do ano inteiro. Tuas festinhas nas praças, o chorinho de domingo, o Circo Voador a Fundição Progresso…
Uma gente artista, uma gente diferente do que eu conheci na vida e uma gente que eu amei conhecer. Uma gente que se acolhe na solidão e no ombro de quem também é migrante e se vê meio sem chão, mas cheio de vontade de voar alto. A possibilidade de cruzar com o Chico Buarque de Hollanda (essa você ainda está me devendo, Rio de Janeiro).
TUA PRAIA!!! Uma praia que dá de frente pro Morro Dois Irmão, de água gelaaaaaada, mas refrescante e que às vezes amorna e fica transparente – acho tão engraçado, me faz crê em contos de fada e pó de pilipimpim.
Os teus bairros… A boemia controversa da Lapa, teus pecados, o loiro de olhos azuis -Leblon – e a burguezinha pervertida  – Ipnema. E a Gávea, àquela que não se mistura muito pra não perder o charme. E que charme! E o alto- Gávea… Nem te conto… E ainda tem o meu xodó, a PUC. E o meu amado Flamengo, o primo pobre, mas que me representa e que me dá tudo o que eu preciso  menos de cinco minutos, tua minicidade Botafogo, cheio de tudo o que tem de bom.
O restaurante que aceita a gente sujo de sal e protetor solar sem olhar torto e o shopping idem. Adoro a sua gastronomia. Amo a variedade dos teus Hortifrutis e até o Pão de Açúcar aqui fica meio pessoal, só mágica mesmo.
ANDAR A PÉ!!! Rio, eu acho que é aí que você me ganhaste desde 2008. Como eu amo andar por ti e me deparar com o morro Pão de Açúcar, naquele cenário de sol e mar, amo pedalar pela Lagoa e pela orla, vou agradecendo à vida por estar vendo aquilo e sentido tudo aquilo. E Paraty? Afff!
Rio, eu te amo pelo que ainda está por vir. Eu amo os teus mistérios escancarados, tu escondes muita coisa debaixo desse Cristo aberto sobre a Guanabara. Tô curiosa! Rio, eu ainda te amo porque eu sou parte de ti, tenho você na veia, minha mãe é de ti e, portanto, também sou. Ainda que eu me mude um dia, saibas que essa cearoca sempre retornará pra esse lugar onde meu coração fez morada.
Parabéns pra gente, Rio! Estamos só começando.
 

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