Segunda-feira

segunda-feira
Segunda-feira
Fonte: “Tédio” – normalzero.blogs

Segunda-feira

Amanhece a segunda-feira

Segunda-feira: corpos preguiçosos debatem-se na cama numa briga já com o vencedor anunciado, o despertador. O derrotado lembra-se, como que tentando retroceder as horas, de como foram bons os dois últimos dias da sua vida. Pelo menos pôde dormir até às 13h.

Mas amanheceu a segunda-feira.

Rostos sérios, corpos curvados, você nem se apercebeu de que fazia sol nesta dura manhã de segunda-feira. Nem ouviu que os pássaros e os galos cantaram igual como fizeram na sexta passada e você se lembrou da ida infância feliz na fazenda de seus avós.
É tramática a segunda-feira. Ela apaga lembranças e você é obrigado a acionar o piloto automático que lhe abandonou desde sexta à noite e agora você busca desesperadamente pelo botão de ligar. Pois é ele, e somente ele, que poderá conduzir-lhe neste calvário que vai durar, no mínimo dez horas.

A segunda-feira é muda.

Barulho somente aqueles os quais muito se fala e nada se absorve. Noticiário: economia, política, página policial, previsão do tempo e você doido pra voltar na noite de sexo que teve há remotas 35 horas atrás.

É cruel a segunda-feira.

Não há sexo e nem dormir de conchinha. Não há tesão que resista a uma hora marcada. Nem pra uma rapidinha. Não dá, as crianças vão chegar atrasadas no colégio. Melhor não.
Lembranças boas da faculdade ecoam no corpo sonolento e aquele eterno gazear de aulas quando você fazia samba e amor até mais tarde. Quer dizer, nem se dava ao trabalho de fazer samba, botava um Chico Buarque no vinil e se encarregava do resto. Eram boas, as segundas-feiras.

A segunda-feira não tem cheiro.

Não dá tempo de você ficar mais cinco minutos para esperar passarem o café na sua casa, que, todo dia, é feito às 7h:35, hora que a Inácia chega depois de acordar-se às quatro da madrugada e viajar por suas horas só para passar o café às 7h:35 que você não vai nem sentir o cheiro.
Cruel a segunda-feira. Ela impede a formação das melhores lembranças. Lembra daquele cheiro bom de bolo de laranja com achocolatado que todo dia invadia sua casa quando vocês moravam na Atualpa, 36, apto 1202? Não é, faz mais de 20 anos que você não tem mais tempo de formar boas lembranças. Há tempos que nem tempo você tem de criar um hábito que possa ser rememorado daqui a vinte anos com alegria.

Triste segunda-feira, a culpa é toda dela.

Se mais sábados tivessem seríamos certamente pessoas mais bem humoradas. Arrisco até dizer até que a violência, a crise econômica e as guerras seriam mais brandas se ganhássemos um dia a mais de descanso.

Violenta, a segunda-feira.

No trabalho, as pessoas até fingem que estão felizes. Relembram do que fizeram sexta enquanto adentram o escritório com seu cheiro habitual de nada com coisa alguma e cores cinzas azuladas. Você senta-se na sua mesinha que, na tentativa vã e tornar aquele espaço habitável, enche com cores e fotos dos seus. Neste momento os “seus” estão enfrentando, em algum lugar deste globo, a mesma dor que a sua. A dor da segunda-feira.
Já você que hoje acordou de férias, ou com uma febrezinha, sente uma felicidade até sádica nesta iluminada segunda-feira. Todo mundo no trabalho, barulho de carros frenéticos já atrasados para bater o ponto correm em trânsito lento pelo asfalto, e você, ah!, você… Você só sorri e volta a dormir.
 

Você também pode gostar

Deixe aqui o seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.