Temos tantos motivos pra chorar, meu amor

Temos tantos motivos pra chorar, meu amor.

Temos tantos motivos pra chorar, meu amor. 
Quando nos encontrarmos, primeiro as lágrimas, todas elas, de uma saudade que se acumula, acumula, acumula a cada dia dessa incerteza de um dia redentor.

Choraremos as perdas, as nossas, as dos outros, a do Brasil. Perdemos, Moraes, meu amor. Perdemos o Moraes Moreira nesse meio de caminho onde não se pode nem ir às ruas pra cantar Moraes como se pôde cantar Belchior por Belchior.
Choraremos os medos, as angústias, isso tudo entalado, enlatado em declarações e guerrinhas políticas que ele parece não se importar, mas que dizem de nossas vidas. 

Nem sabemos ao certo quem está no comando, meu amor, se eles – aqueles que outrora, num passado que pensei remoto, mas, hoje é tão presente, aqueles que tanto assustavam – ou ele (não) que fica descumprindo as ordens que o Médico que não abandona pacientes tenta nos pedir. 

Temos tanto pra chorar enquanto matamos a sede daquele beijo que ficou pra logo depois e se estendeu por essa eternidade. Que dia é hoje mesmo?

Seremos quando? Quanto tempo? Ainda seremos?

Choraremos. Choraremos porque dor assim não é dor que cura quando abre a porta. Ameniza. Dor assim não é dor que seca com a luz do sol, que se esteriliza com água do mar. Ameniza. Ela vai sarando, vai cicatrizando, vezenquando coça, vezenquando magoa, até o dia em que deixa ali uma marca. Pode ser daquelas que dizem de nós imediatamente, que denunciam um desastre ou uma travessura. Podem ser outras mais escondidas, daquelas que só se vê a sós, dedilhando. Mas ficam ali, jamais esquecidas. E, sim, antes que você me pergunte desanimado, sim, podemos superá-las.

Ainda teremos muito pra chorar, eu sei, mas a nossa alegria virá. E será insuportavelmente exibida, pedante, dona de si, dona da p@##$ toda. Sorriremos pros quatro ventos, nos quatros cantos de um lugar só nosso. Sorriremos com os nossos no meio do mar, no meio do nada, num por do sol quando nos lembrarmos que, por meses, o vimos do mesmo jeito, da mesma janela, com tudo igual.
Deixaremos essa luz ir queimando nosso rosto. Douraremo-nos.
Permitiremos que ele esquente e que a brisa sopre um ar de primavera. 

– ffffssssuuuuuuu.

Qual o barulho a brisa? Não faço ideia. É bonito quando as palavras, nem mesmo literatura, dão conta de explicar essas sutilezas como o barulho de uma brisa.
Nessa hora, talvez lembremo-nos de alguma frase de Pessoa, pensarmos que Guimarães nos disse de que viver é muito perigoso. Nessa hora, discordaremos dele, tanto quanto concordamos agora.
O sol se põe e a gente vai, de mãos dadas, com a incerteza insuportável de mais nada, talvez com uma lágrima de dor por estarmos tão felizes. Insuportavelmente felizes, meu amor.

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