Tudo anormal

 

 

Normal, normal mesmo, eu só acredito depois da vacina. Aliás, eu ainda acho tudo completamente anormal. Tenho medo das pessoas sem máscara como se fossem animais ferozes prestes a me devorar e corro de aglomerações. Fui à primeira festa de aniversário na semana passada, com 12 pessoas, e devo ir a uma na sexta-feira, mas já estou ansiosa com o fato.

Normal não tá. Vejo o povo celebrando o Natal, montando árvores, postando mesas postas de enfeites assim e assado, gente contratando gente pra montar árvore e eu só de pensar em um estranho em minha casa pra uma futilidade dessas me dá arrepio. Sim, nós também montamos na minha mãe a árvore de Natal, eu, minha mãe, meu sobrinho e meu irmão. Uma curtição, afinal, as crianças – e nós – precisamos alimentar as fantasias, mesmo dentro de mim carregando uma angústia.

Angústia dessa incerteza toda. Aliás, certeza eu tive um dia desses de que o Natal da minha família foi cancelado neste canalha 2020 (ouvi este adjetivo de um colega, de que 2020 fora um ano canalha e não consigo catar carapuça melhor que essa). Somos perto de cem pessoas no Natal, todos os anos. Amigo secreto, teatro, ceia, gente, gente, gente, criança correndo por entre a gente, a gente conversando, confraternizando, rindo… Não dava dentro do novo normal. Nem com máscara daria certo. Tudo anormal por aqui.

Para me adaptar, tento me encaixar nas brechas. Busco praia durante a semana, pedalo em horários de pico – não de gente, mas do sol, já que ao meio dia, uma criatura pedalando na orla fortalezense é quase uma ET. Assim, vou me livrando da Covid, enquanto pego um melanoma já, já.

Não consigo ainda nem curtir as fotos de gente aglomerada e, não sei por quê, tenho a impressão de que nem elas estão à vontade. Imagina você estar em uma festa e, no dia seguinte, algum dos convidados posta no grupo “gente, acordei sem sentir olfato e nem paladar”. Ave! Meu maior pavor é esse neste 2020 novo normal. Fico bem quietinha esperando dar uns cinco dias sem ninguém dizer nada depois que me encontro com quatro, cinco pessoas.

Não sei o que daqui vai ficar de bom. Talvez só o uso do álcool em gel e a máscara quando estivermos com uma gripe e formos sair. Sim, ninguém nunca deixou de circular porque estava com uma gripezinha, eu não deixava nem de malhar. Depois daqui, creio que vá usar uma máscara sim.

Aperta o peito quando vejo aviões voando, gente postando foto lá do outro lado do mundo, do Brasil, fazendo turismo, curtindo… Não estou querendo julgar, só não entendo como se divertem com essa faca enfiada no meio da cabeça chamada Covid e seu mantra: posso pegar, posso passar, posso morrer, posso matar. Fico doida.

Enfim, cheguei até aqui, amanhã – no caso, hoje, mas escrevo da segunda-feira – já é dezembro e, mesmo cheia de sequelas emocionais, atravessei 2020. Disse recentemente para uma amiga que também já demonstra sinais físicos e emocionais de estresse que todo mundo que esteve são durante este ano, isto é, que não negou o grau de perigo da Covid, de alguma forma está dando sinais de exaustão, afinal, é muito tempo encarando de frente, sem negar, sem disfarçar, sem duvidar da ciência, sem politizar os remédios. Num conflito, num embate com as pessoas, consigo mesma, à espera de uma vacina, de um milagre.

As boas notícias começam a chegar. O “bom velhinho”, digo, a ciência, parece soprar ventos de esperança. Ano tão canalha que outros problemas, por vezes, ofuscaram-me a pandemia. Mas a nuvem parece estar passando, até a vacina parece realmente estar chegando. Pra quem espera desde março, aguardar até maio, junho me parece desolador… kkkk (rindo de desespero).

Agora falando sério, pra terminar pra cima, bonito o trabalho da ciência. Eu aguento mais tempo e torço pra que até lá eu nem pegue e nem passe. Amém.

Vou terminando este ano assim como nesta foto. Totalmente desajeitada, tentando me equilibrar por minha conta e amparada pelos meus. Ali embaixo estavam o Nelsinho com a mãozinha esticada pra me ajudar – subi porque ele me pediu, claro – e meu irmão que, atento, talvez me segurasse se eu me estabacasse. Além deles, mãe, pai, tias de longe e algumas pessoas que entraram na bolha.

É, olhando assim, parece até o normal. Tentar se segurar em meio à vida colhendo dela o que tem de tão bom e tem muita coisa. Mas não, por ora nada ainda é normal, por mais que se esforcem as luzes de Natal, tudo ainda é novo e anormal.

P.S.: Assim que terminei de escrever e dei o ponto final, dei um espirro. Socorro!

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